segunda-feira, 30 de maio de 2016



NA TRILHA DA INTOLERÂNCIA



MÃE DE SANTO ACUSADA DE MATAR  OGÃ EM RITUAL DE MAGIA NEGRA É ABSOLVIDA
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O Jornal Brasil Candomblé através desta coluna NA TRILHA DA INTOLERÂNCIA apresenta esta reportagem, sobre um caso verídico de intolerância religiosa e injustiça, perpetrada contra uma cidadã brasileira, que ousou um dia entregar-se ao culto dos orixás e espíritos de luz, estes últimos, conhecidos como Exus. Vilipendiada e execrada pela sociedade, visto que acusada de um crime terrível contra um homem que seria seu namorado e também seguidor da religião, e que ostentava na sua casa de santo o cargo de ogã.

Esta reportagem pretende dar a sua contribuição a esta chama de resistência contra o preconceito religioso, racial e sexual, preconizado contra a religião afro e seus seguidores, por vários segmentos religiosos, principalmente pentecostais mais radicais. Visto que no momento várias lideranças levantaram-se contra essas agressões já tão antigas e incômodas, cerrando fileiras e trincheiras para combater tais agressões e agressores.

 

E o Editor deste Jornal, o advogado, jornalista e Babalorixá, João Batista M. de Souza (João Batista de Ayrá),  sacramentado no Ritual do Tambor de Mina Gêge-Nagô na casa do Babalorixá Ribamar Lisboa (Ribamar Curador) de São Luis, Maranhão, e dirigente da Irmandade Espiritualista do Tambor de Mina Gêge-Nagô (IETAMGENA) em Duque de Caxias, RJ, foi personagem importante neste caso, pois funcionou como advogado de defesa da Yalorixá Tânia de Yansã, até a sua absolvição pelo 4º Tribunal do Júri da Capital,Rio de Janeiro, e agora através desta reportagem procura de certa forma redimir esta senhora, pois à época, vários jornais de grande circulação, deram os maiores destaques ao seu caso, procurando centrar a atenção dos seus leitores no fato de que seria um crime praticado em um ritual de magia negra, pondo em cheque a credibilidade da religião afro no Rio de Janeiro, e mesmo após a sua absolvição, uma linha sequer foi publicada, levando ao conhecimento do público que aquele tinha sido um caso de injustiça. Não levando em conta que a primeira imagem é sempre a primeira que fica.

 

O CASO

A Yalorixá (Mãe de Santo), Tânia Mara Gonçalves da Silva, foi acusada de em um ritual de magia negra com o uso de punhais, no seu Centro Espírita na Cidade de Deus, ter matado um Ogã (cargo religioso no candomblé), de forma vil e covarde. E que tais punhais fariam parte das práticas do culto por ela praticado, e que com a vítima mantinha um relacionamento amoroso.

Este caso foi amplamente divulgado pela imprensa na época, tanto pelos seus aspectos criminológicos, sociais e principalmente religiosos. Notava-se ênfase toda especial ao culto religioso afro no Rio de Janeiro, notadamente quanto a sua prática, que estaria relacionado a rituais pagãos ou satanistas.


Especialistas de várias naturezas foram ouvidos, principalmente religiosos de outros credos, como por exemplo, padres, pastores, entre outros pelo lado mais técnico. Mas em momento algum se procurou ouvir representantes da comunidade afro-religiosa, sobre a veracidade da existência da prática de rituais demoníacos dentro da religião. Todas as manchetes eram acompanhadas de fotos da acusada algemada, como se culpada fosse, como se condenada já tivesse sido.

Indiciada, a Yalorixá foi presa provisoriamente e depois preventivamente, permanecendo vários meses encarcerada, até ser libertada após deferido seu pedido de relaxamento da sua prisão, pois tinha endereço certo e sabido, ocupação, e era  primária e sem antecedentes criminais.

Enquanto o processo tomava o seu curso normal, a acusada (já tinha sido denunciada pelo Ministério Público) tentou resgatar a sua vida anterior, no mesmo local onde por muitos anos vivia o que não foi possível, pois passou a ser execrada (perseguida) por todo tipo de pessoas, algumas da própria comunidade, outras ligadas a igrejas evangélicas, que fizeram do seu caso uma bandeira de repúdio para justificar agressões não só a sua pessoa, mas também a sua religião.

Este caso chamou muito mais atenção pelo seu enfoque religioso do que pelo homicídio em si. Pois, quantos são assassinados em circunstâncias até mais emblemáticas, no dia a dia policialesco da cidade e não ganham a mesma projeção por parte da mídia?


Duas entidades espirituais de umbanda, “Pomba Gira Maria Padilha” e "Pomba Gira Maria Navalha”, com as quais a acusada trabalhava incorporada em sessões alternadas, foram amplamente citadas, esmiuçados seus comportamentos e conotadas como representantes de uma “casta de demônios, segundo uma visão mais preconceituosa dos críticos e inimigos da religião afro-espiritualista. Que vinculam essas entidades ao demônio, ao satanás dos católicos, por serem as mesmas conhecidas como Exus de umbanda.


Na verdade, esses Exus, na sua forma feminina são conhecidos como Pombas-Gira, e são procurados para a realização dos mais variados trabalhos espirituais, para melhoria de saúde, para o amor, harmonia, paz, emprego, desobssessão, entre outros.

Mas segundo uma visão distorcida apresentada, esses feitiços seriam feitos com sacrifícios de animais, o que seria próprio dos rituais satânicos, tão comuns na idade média.

Quando na realidade essas entidades davam consultas e passes mediúnicos a uma platéia bastante diversa, que ia da dona de casa a pessoas de classe média que buscavam como buscam até hoje a ajuda na resolução dos seus problemas existenciais, e materiais.

A Pomba Gira Maria Navalha, utilizava nos seus rituais de desenergização maléfica e “energização positiva”, das pessoas que a procuravam, punhais ritualísticos, e a versão policial, que foi mantida até o julgamento, foi a de que, teria sido com um daqueles punhais que a vítima fora assassinada. De forma que a tese da acusação foi a de que a morte ocorreu em um ritual de magia negra, tantas eram as evidências e “provas” constantes dos autos.


A acusada se viu processar com base em uma prova colhida de forma ineficaz desde o seu nascedouro. A prova técnica procurou estabelecer uma conexão entre os ferimentos encontrados na vítima e a espessura e diâmetro dos punhais encontrados no terreiro, objetos estes catalogados como “prova de acusação”.

Na realidade os punhais eram objetos sagrados e utilizados tão somente nos rituais religiosos.

As testemunhas de acusação eram todas de caráter (falavam sobre o comportamento da acusada e da vítima), nenhuma delas era visual ou auditiva, ou seja, nenhuma delas tinha ouvido e visto qualquer coisa no momento que teria sido cometido o crime, e a maioria delas, era parente da vítima e professavam o culto evangélico e nunca referendaram o caso amoroso de vítima com a Yalorixá. Outras testemunhas tidas como de acusação eram policiais que participaram da investigação, cujos depoimentos não se encontravam em sincronia com a prova colhida, tudo muito no campo da “achologia”.

Cópias dos jornais que fizeram a cobertura do fato foram juntadas aos autos e que serviram de respaldo à acusação. Existe um princípio constitucional, de que todos são inocentes até prova em contrário, porém, a forma como o caso dessa Yalorixá foi conduzido desde o inicio, foi como se a mesma já tivesse sido julgada e condenada pelo crime. O bojo do processo eivado de conjecturas, com base em apuração deficitária, sem provas concretas que a apontasse como a autora do crime, isto sem falar nas abordagens depreciativas à religião afro que serviu de pano de fundo.

Como se pode ver da manchete publicada em um jornal à época:

“Morte num ritual de magia negra”, "punhais usados em ritual de magia negra”. “de acordo com depoimentos, a mãe-de-santo recebia duas entidades: Maria Padilha e Maria Navalha. Ao incorporar a última entidade, Tânia intimidava as pessoas presentes ao tocá-las ameaçadoramente com punhais. Pelos relatos, ela chegava até a arremessá-los na direção de quem estava na sessão”. “E foi justamente com punhais encravados no peito que a vítima foi morta”.

É fácil observar que estas afirmações são altamente contundentes em relação ao fato em si, o crime propriamente dito, pois este merece de qualquer cidadão toda a repulsa natural, mas eivadas de grande dose de preconceito, no que diz respeito ao culto afro, seus objetos sagrados, suas entidades, tidas e respeitadas como espíritos de luz, incapazes do cometimento de qualquer ato criminoso contra qualquer ser humano, o que não condiz com a prática religiosa afro-brasileira.

Outra manchete que reproduzimos que ressalta bem a agressão ao culto afro;

“Segundo uma carta anônima, Tânia promovia sessões espíritas que ficaram marcadas por cenas de violência na Rua Ignez. Vizinhos chegaram a comentar com parentes da vítima que a mãe-de-santo fazia sacrifícios de animais durante os encontros religiosos”.


Sendo forçada a mudar-se da Cidade de Deus para outro bairro, porém, por descuido do seu advogado à época, deixou de comunicar nos autos do processo o seu novo endereço, sendo então considerada foragida, uma vez que não fora localizada para vários atos do processo, tendo sido decretada a sua revelia, pela MM. Juíza do 4° Tribunal do Júri da Capital. Tendo na ocasião constituído o Dr. João Batista Martins de Souza, advogado inscrito na OAB/RJ, Sob o nº 59.615, que também é jornalista (JP-RJ. 30.188) e babalorixá, que assumiu o cargo de defendê-la de tão grave acusação.

Tendo apresentado a acusada perante a magistrada instrutora do processo, ocasião em que pediu a revogação do decreto prisional, o que foi deferido, cerca de quase um mês depois, tendo a mesma permanecida presa todo este tempo no Presídio Talavera Bruce.

Produzida as provas de acusação e de defesa, finalmente pronunciada para ser julgada pelo plenário do 4º Tribunal do Júri da Capital, decisão contra a qual recorreu, e que foi mantida pelo Tribunal de Justiça, sendo marcado o seu julgamento para o dia 08 de março de 2005, onde conforme ela mesma diz, “nasceu de novo para a vida”, sendo este o seu terceiro nascimento, pois o primeiro é o natural, o segundo quando da sua feitura, e o terceiro quando se viu absolver de tão cruel acusação.

Durante os debates a acusação esmerou-se na tentativa de convencer os jurados de que a tese acusatória (libelo) estava respaldada nas provas “tão bem colhidas e consideradas irrefutáveis e constantes dos autos. E que os motivos para o cometimento do crime, foram torpes e premeditados e, portanto, duplamente qualificados, tendo pedido a condenação da acusada nas penas do artigo 121 parágrafo 2º do Código Penal, cuja pena vai de 12 a 30 anos de reclusão.

A DEFESA TÉCNICA

A defesa na sua sustentação oral rebateu a tese acusatória, e passo a passo, contestou a validade e legalidade de todas as tais provas carreadas contra a acusada, a inexistência de testemunhas oculares, visuais ou auditivas, todas eram testemunhas do “ouvir dizer”, ou que a vítima tinha um comportamento ilibado, que era honesto e etc. a prova técnico-pericial foi atacada de forma veemente em face da sua fragilidade falta de objetividade e conexão falha entre os ferimentos no corpo da vítima e as características dos mesmos (punhais).

A defesa abordou a influencia que a mídia teve no deslinde do caso, esta influencia foi marcante, principalmente no tocante a visão distorcida dos cultos afros, que foi diluída ao longo das coberturas, que levou a opinião pública a julgar e condenar de antemão a acusada por um crime não cometido por ela. Procurou também chamar a atenção dos jurados para o fato de que não era somente a acusada que estava sendo julgada naquele momento, mas também a religião afro, junto com suas práticas religiosas e duas entidades de umbanda, conhecidas e respeitadas como Dona Maria Padilha e Dona Maria Navalha, dois Exus–Eguns de luz e de grande capacidade espiritual de transformação na vida das pessoas que as procuravam e que continuam procurando até hoje, em qualquer terreiro de umbanda ou candomblé onde as mesmas continuam “baixando”.

A casta de homens e mulheres negros, brancos e mestiços que deram suas vidas, seu sangue, para a formação da sociedade brasileira, estava sendo julgada, e todo um segmento religioso formado por homens e mulheres que trazem no sangue a hereditariedade, do branco colonizador, do negro escravo e do índio, e que cada uma a seu modo contribuiu para a existência do que é hoje conhecido como o culto afro-brasileiro, junção de crenças européias, africanas e ameríndias, que no seu bojo secular e religioso, traz o respeito à natureza, a liberdade, a paz, o amor  e a fraternidade entre os homens, independente de cor, raça ou religião.

A SENTENÇA

Após o primeiro ciclo de debates, veio a réplica e a tréplica, a primeira por parte do órgão acusador (Ministério Público), que a tem a função de “custus legis”, ou seja, de fiscal da lei, que repisou todos os seus Argumentos apresentados na primeira fase, e reiterou o pedido de condenação da acusada. A segunda (tréplica a defesa também fortaleceu os seus argumentos anteriores e reiterou o pedido de absolvição da acusada por absoluta falta de provas, e por manter desde a sede inquisitorial (policial), até aquela instância, a negação de autoria (tese defensiva).

Trabalhos encerrados, o conselho de sentença retirou-se para a sala secreta, para a votação dos quesitos apresentados pela acusação e defesa. Tendo decidido o referido conselho, pela absolvição da acusada por absoluta falta de provas, por seis votos a favor e apenas um contra. Fora feito justiça.
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ENTREVISTA


YALORIXÁ TANIA MARA GONÇALVES DA SILVA -


Passado o pesadelo, o que você gostaria de mudar ?

Sabendo e reconhecendo os poderes e a sabedoria de cada um dos meus irmãos de fé, eu pediria a cada um que evitasse fazer julgamentos e condenações precipitados, baseados apenas na experiência humana; a quem quer que seja.

O que representou este fato na sua vida?



Um mergulho no fundo de um poço onde encontrei a mola que me jogou para cima. E saí limpa equilibrada e mais forte

Você saiu fortalecida dessa batalha? 

Com certeza. Eu hoje tenho a absoluta certeza que tudo o que me aconteceu foi arquitetado pelos meus orixás, o fato, as consequências, as noites mal dormidas na prisão, o surgimento do Dr. João Batista de Ayrá na minha vida, me dando novo fôlego, renovando as minhas esperanças de que no final daquela caminhada, me era reservada uma surpresa agradável. E assim aconteceu. Tenho certeza também que o meu caso, serviu e servirá de exemplo válido a toda religião afro, que ficará ainda mais alerta contra os nossos inimigos. 

A sua fé nos seus orixás continua a mesma?


A minha fé além de permanecer inabalável, amadureceu dentro de uma compreensão espiritual maior.

Em algum momento você se sentiu sozinha e abandonada?

A minha fé e esperança sempre permaneceram ao meu lado, e me fizeram enxergar um lado da vida desconhecido para mim; onde os seres humanos vivendo em condições subumanas revelaram para mim o melhor de si, pois me receberam com carinho e demonstraram sempre solidariedade e companheirismo.



Você acreditava na sua absolvição? 
Eu acreditava e acredito que nunca fui abandonada e jamais serei por deus, pelos meus orixás e exus. E que sempre serei resgatada em qualquer circunstância injusta da vida.

Você considera este fato como uma provação?

Eu considero este fato como a forma que a cúpula divina planejou para que eu crescesse e aperfeiçoasse, harmonizando a razão sentimento e a espiritualidade.

Você hoje é feliz?

Eu sou feliz, sobretudo por possuir as maiores dádivas que um ser humano possa ter; saúde, paz, liberdade, gratidão e fé, emolduradas em luz, através da confiança divina.

Depois de toda essa experiência, como você está vendo a religião nos dias atuais?


Vejo-a mais fortalecida, mais politizada, vejo os seguidores, adeptos, zeladores e zeladoras mais conscientes das suas responsabilidades, junto à sociedade organizada. Vejo hoje os adeptos do candomblé e da umbanda mais firmes nas cobranças pelo respeito a sua liberdade de culto. O que não acontecia no passado. Estamos cada dia mais fortes.

 Que conselhos você daria aos mais novos e mais velhos da religião, que não passaram por esta via-crucis?

Do fundo do meu coração desejo a todos que o amor, a fé e a  esperança possam estar dentro de cada um guiando a sua trajetória terrena e intuindo-os sempre. Que a justiça divina nos seja sempre favorável e nos conceda o ganho de causa e possa nos absolver e livra-nos de todos os tipos de injustiça, axé!

Você já retomou a sua vida espiritual normal?


Sim.

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 Postada por João Batista de Ayrá/advogado/jornalista/babalorixá.
e Yalorixá Roze de Oxum Opará e Ogum Xoroquê.
Contatos para trabalhos espirituais e palestras: (21) 99136-4780 e (21) 2671-1988. E-Mail: drjbayra@hotmail.com
Líderes espirituais da Irmandade Espiritualista do Tambor de Mina Gêge Nagô do Maranhão (IETAMGENA)- sediada em Duque de Caxias, RJ.