terça-feira, 31 de março de 2020

Como os paulistas excluíram os negros do mercado de trabalho

Após a abolição no século 19, elites preferem os europeus para o trabalho livre, o que transforma a escravidão em um legado excludente
Por Raphael de Lima Vicente, do Rede Brasil Atual
Sociedade racista admitia o negro como escravo; para o trabalho livre trouxe o europeu, alegando que os negros não tinham mentalidade para se integrarem aos modos de produção (imagem retirada do site Rede Brasil Atual)
O trabalho escravo, núcleo do sistema produtivo do Brasil colônia, vai sendo gradativamente substituído pelo trabalho livre no decorrer dos anos 1800. Essa substituição, no entanto, dá-se de uma forma particularmente excludente.
Uma das consequências mais importantes do trabalho escravo e de seus desdobramentos racistas nas primeiras décadas após a abolição, segundo o professor titular de Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul Karl Monsma (2016), é o que se denomina de “mercado de trabalho cindido”.
A sociedade racista admitia o negro como escravo; para o trabalho livre trouxe o europeu, alegando que os negros não tinham mentalidade para se integrar aos modos de produção modernos.
Esmagados pela herança da escravidão, os negros não constituem uma força produtora significativa e não se definiram como classe trabalhadora. Ironicamente o negro perdeu importância ao se transformar em homem livre: não conseguiu a emancipação, nem atingiu o estágio de trabalhador engajado nas novas formas de produção que surgiram no país.
A imigração ganhou força no final da década de 1870, sendo que em 1886, por sugestão do governador da província e com apoio de fundos do Estado, a Sociedade Promotora da imigração, de cunho privado, foi estabelecida para coordenar a campanha de São Paulo para atrair trabalhadores europeus. Em 1895, tais funções foram assumidas pelo Departamento de Agricultura do Estado de São Paulo.
O mercado de trabalho de São Paulo, nos anos imediatamente subsequentes à abolição da escravidão era moldado por um direcionamento e intervenção do estado em nível incomum.
Ecos do trabalho escravo
A Constituição Brasileira de 1891 proibiu especificamente a imigração africana e asiática para o país, e os governos nacionais e estaduais transformaram a atração da imigração europeia para o Brasil em uma prioridade do desenvolvimento nacional.
E quando os imigrantes chegaram, os sociólogos e cientistas brasileiros ocuparam-se com pesquisas e escritos que demonstrassem a eles próprios e ao mundo como o Brasil estava rapidamente se transformando – de um lugar atrasado e miscigenado que parecia “mais um canto da África que uma nação do Novo mundo” em uma republica progressista povoada por europeus e seus descendentes.
Entretanto, em sua grande maioria, os imigrantes europeus que vinham para o Brasil também eram analfabetos ou liam muito pouco.
Existiram particularidades no que concerne à passagem da economia de base escravocrata à economia baseada no trabalho livre. Observa-se de um lado, um processo de reagrupamento da mão de obra escrava nas regiões mais dinâmicas, sobretudo em São Paulo, para onde se dirigiu, numa etapa posterior, a maior parte dos imigrantes.
Além disso, os empregadores imigrantes favoreciam seus compatriotas, o que equivalia à discriminação contra todos os outros, e muitos empregadores brancos, especialmente estrangeiros, evidenciavam atitudes abertamente hostis aos negros.
Na cidade quanto no campo, os imigrantes desfrutavam da mesma preferência na contratação. O censo de 1893 da Cidade de São Paulo mostrou que 72% dos empregados do comércio, 79% dos trabalhadores das fábricas, 81% dos trabalhadores do setor de transportes e 86% dos artesãos eram estrangeiros. O Correio Paulistano estimou que 80% dos trabalhadores do setor de construções eram italianos; e um estudo de 1912 sobre a força de trabalho em 33 indústrias têxteis do Estado descobriu que 80% dos trabalhadores têxteis eram estrangeiros, a grande maioria italianos.
De acordo com os dados disponíveis, no começo do século 20, 92% dos trabalhadores industriais na cidade de São Paulo eram estrangeiros, sobretudo de origem italiana. No Rio de Janeiro, então capital do país e a cidade de maior importância econômica, a participação de estrangeiros na indústria representava quase a metade da mão de obra ali ocupada.
Observa-se com o desenvolvimento do comércio e da indústria, o nascimento de um proletariado e também de uma classe média urbana, mas os trabalhadores negros não tiveram oportunidade de engrossar as fileiras daqueles grupos.
Esta persistente preferência por europeus e euro-brasileiros afetava diretamente os afro-brasileiros. Florestan Fernandes escreveu que em 1920 a posição destes na economia urbana era ainda pior do que havia sido 20 ou 30 anos antes, apesar do fenomenal desenvolvimento da indústria, da construção e do comércio ocorrido nesse meio tempo.
Os negros estavam quase que totalmente barrados do trabalho nas fábricas, e os artesãos negros desapareceram por completo da cidade. Os negros pobres e pertencentes à classe trabalhadora encontraram suas oportunidades de trabalho restritas ao serviço doméstico e ao que hoje poderia ser denominado de setor informal.
Em parte alguma do Brasil este esforço para europeizar o país foi maior do que em São Paulo, e em parte alguma do Brasil seus efeitos foram mais fortemente sentidos. Um maciço programa estatal para subsidiar a imigração europeia para o estado resultou em que mais da metade dos europeus que vieram para o Brasil durante a república veio para São Paulo.
Entretanto, além do objetivo de europeizar o estado, o principal propósito do programa era reverter as consequências econômicas da “revolução” da abolição, do fim do trabalho escravo e restaurar o controle do proprietário de terras sobre a força de trabalho. No início da década de 1890, seus impactos já eram evidentes, particularmente entre os beneficiários recentes da abolição: os afro-brasileiros.
Raphael de Lima Vicente é advogado, mestre e doutorando pela PUC-SP, membro do Observatório do racismo

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A Legião Negra : Os Negros na Revolução Constitucionalista de 1932

Em 3 de outubro de 1930, Getúlio Vargas chega ao poder por meio de um golpe de Estado. Junto ao movimento tenentista, o “presidente” se mostra autoritário, caça adversários políticos e fecha instituições democráticas, instalando uma espécie de ditadura no Brasil. Para São Paulo, Vargas indicou o nordestino João Alberto para o cargo de governador. As elites paulistas não aceitaram a situação e passaram a defender a democratização do País. A pressão foi tanta que, João Alberto e mais três interventores nomeados por Vargas para “comandar” São Paulo foram derrubados.
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Ilustração: Mauricio Pestana
Aos poucos, a luta que começou nas elites paulistas ganhou a adesão de toda a população.
Em 25 de janeiro de 1932, um enorme comício juntou todas as forças da sociedade (até adversários políticos), afirmando que São Paulo iria até as últimas consequências pela democratização do Brasil. Em 23 de maio, uma greve mobilizou mais de 200 mil pessoas, que saíram às ruas para protestar. No conflito com policiais ligados à ditadura, quatro jovens estudantes foram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo.
Começava ali o movimento paulista de resistência à ditadura: o MMDC, que passou a alistar populares – de todas as profissões e classes sociais – para a Guerra Civil. Em 9 de julho de 1932, o Estado mais rico da Nação entra em conflito contra as forças federais comandadas por Getúlio Vargas. Todos são chamados para auxiliar, até as mulheres. E não seria diferente com os negros…
 – E m pouco tempo é formada uma comissão beneficente para arrecadar apoio material e humano entre a comunidade negra paulista. Surge a Legião Negra, que teve papel relevante na Revolução de 1932. O peso político do negro era grande, tanto que o próprio interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, foi pessoalmente até a sede da Frente Brasileira Negra (a maior e mais respeitada entidade negra da época), pedir o apoio dos negros para a guerra. Porém, vários integrantes eram vanguardistas e operários (classe amplamente defendida por Vargas). Por isso, muitos negros não aderiram ao movimento constitucionalista.
2  – Sem o apoio integral da Frente Brasileira Negra, a presença de negros na revolução foi marcante e a Legião Negra (conhecida como os Pérolas Negras), escreveriam para sempre sua passagem em nossa história. É válido destacar que seu fundador e defensor, Joaquim Guaraná de Santana, era inicialmente da Frente Negra Brasileira e rompeu com esta quando não conseguiu apoio absoluto dos companheiros para a Legião Negra. Guaraná fundou então um partido, o PRN (só de negros) e um jornal, o Brasil Novo, em que se autoproclamava como a maior liderança negra do Brasil, mas antes mesmo do fim da guerra ele foi afastado da Legião Negra e substituído pelo advogado negro José Bento
3 – A s principais frentes de combate da Legião Negra na guerra eram: Frente Leste (na divisa com o Rio de Janeiro); Frente Norte (divisa com Minas Gerais); Frente Oeste (divisa com Mato Grosso) e a Frente Sul (divisa com Paraná). Mas a participação dos negros na Revolução Constitucionalista não se fez apenas na Legião Negra, que contava com cerca de 2 mil homens. Havia outros negros – mais de 10 mil – espalhados por toda a força paulista. Vale lembrar que um dos principais comandantes da revolução era negro. Seu nome? Palimercio de Rezende.
4  – Mesmo com os paulistas bastante confiantes, a diferença de forças era brutal. São Paulo tinha cerca de 30 mil homens, enquanto as força federais contavam com o dobro desse contingente, além de ser melhor equipada, contando com aviões e todo o arsenal de guerra do Brasil. Com o conflito, a cidade de São Paulo se modificou. Hospitais e fábricas aumentaram a jornada de trabalho, as aulas nas escolas foram suspensas e o transporte prejudicado. A iluminação elétrica (em fase de instauração) ficou comprometida nos bairros mais distantes, causando transtornos para a população, principalmente aos pobres e negros da periferia.
5 –  A pós quase 3 meses de luta, as forças constitucionalistas começaram a enfraquecer. O número de mortos e feridos na guerra crescia e o isolamento de São Paulo era total. Sem o apoio dos mineiros e dos gaúchos (que também apoiavam uma nova Constituição, mas não lutavam ao lado de São Paulo), a rendição – assinada em 1º de outubro de 1932 – foi inevitável. Os principais líderes da revolução tiveram seus direitos políticos cassados e foram deportados para Portugal. Valdomiro Lima, gaúcho e tio de Darcy Vargas (mulher de Getúlio) foi nomeado interventor militar em São Paulo e permaneceu no cargo até 1933. Mas a guerra não foi em vão, porque, tempos depois, São Paulo conseguiu muitas vitórias no campo político e econômico.
6  – Como em muitos episódios marcantes que fizeram a história do Brasil, os negros ficaram esquecidos, pois quase nada se falou da Legião Negra depois da Revolução de 1932 e de praticamente 1/3 dos soldados constitucionalistas negros que, há poucas décadas, haviam saído da escravidão. Do conflito, ficaram várias lições: quando pensamos que perdemos a guerra, estamos perdendo apenas uma batalha, porque todo o movimento foi fundamental para a redemocratização do Brasil. A outra lição é que não existe história, luta por liberdade e justiça neste país que não tenha a participação efetiva dos negros brasileiros.

terça-feira, 24 de março de 2020

Pastor pede doações de fiéis por transferência bancária durante crise

Como as igrejas têm fechado as portas devido à pandemia, o pastor tem sugerido essa via como uma forma de seus seguidores enviarem recursos para a congregação

Pastor pede doações de fiéis por transferência bancária durante crise
Notícias ao Minuto Brasil
24/03/20 15:33 ‧ HÁ 11 MINS POR CAMILA MATTOSO E GUILHERME SETO COM FOLHAPRESS
BRASIL COMO É QUE PODE?
BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em cultos transmitidos pela RiT (Rede Internacional de Televisão) e pela internet, o pastor R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, tem pedido aos fiéis que façam doações por meio de transferências bancárias ou nas lotéricas pelo período que durar a crise do coronavírus.
 
Como as igrejas têm fechado as portas devido à pandemia, o pastor tem sugerido essa via como uma forma de seus seguidores enviarem recursos para a congregação.
"Queria fazer um apelo a toda pessoa que ama a obra de Deus. Vocês sabem que as nossas igrejas estão fechadas, mas os compromissos continuam. Exatamente, não entraram em quarentena. Amanhã, quando o banco abrir... Banco talvez você não possa ir, parece que também vai fechar. Mas você, da sua casa, pode fazer a transferência", disse Soares nesta segunda-feira (23).
Na sequência, ele informa os números das contas para depósito nos diferentes bancos: Itaú, Bradesco e Banco do Brasil.Caso não seja possível ao fiel fazer uma transferência bancária, Soares sugere a ida a alguma lotérica."Olha, nós estamos precisando. Aquele que ama Deus, se puder, ajuda-nos, para quando abrir a igreja nós abrirmos mesmo, e não mantermos fechada porque não pagamos o aluguel. Não, não, nós vamos pagar tudo direitinho", completa.
Reportagem da Folha de S.Paulo de 2018 afirmava que a dívida da Igreja Internacional da Graça de Deus com a Receita Federal era de R$ 85,3 milhões. Ao final de 2019, levantamento da Agência Pública apontava uma dívida de mais de R$ 127 milhões.