domingo, 13 de outubro de 2019
Só em 2019, até setembro, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa contabilizou 176 terreiros fechados após ataques ou ameaças de traficantes
Por Rafael Soares, Da Época
Aos 23 anos, Wendel Rodrigues Oliveira é um homem de fé. Em 27 de junho, postou no Instagram uma foto da Bíblia em seu colo, com a legenda: “Indo à casa do pai agradecer por cada dia de vida e pela paz que ele vem concedendo à comunidade do Parque (Paulista) e pelo seu povo”. Mas ele é também um homem do crime, e o relógio de ouro na foto com o livro sagrado é só um indicativo de seu poder. Na comunidade que cita em suas preces, o Parque Paulista, um bairro em que moram mais de 30 mil pessoas de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, o jovem é conhecido como Noventinha e comanda o tráfico de drogas. Foragido da polícia, tem mandados de prisão em seu nome por isso e por assassinato.
Esse fenômeno paradoxal dos traficantes evangélicos não é novo no Rio, mas vem se alastrando rapidamente nos últimos dois anos.Desde 2017, dobrou o número de favelas que o grupo de Noventinha domina no Rio, na esteira da derrocada de uma das facções rivais. Antes concentrada na Zona Norte do Rio, a facção se espraiou por outras regiões e chegou à Baixada Fluminense.
O crescimento desses “narcopentecostais” acrescentou uma chaga a mais nas favelas que essa facção domina. Além do tráfico de drogas e da violência cotidiana, a devoção torta aos Evangelhos se reflete na intolerância em relação às religiões de matriz africana — o que, vale sempre ressaltar, não encontra respaldo entre os verdadeiros evangélicos, que pregam a convivência pacífica e a tolerância.
Só em 2019, até setembro, a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, organização que reúne membros de várias religiões e representantes do Tribunal de Justiça e do Ministério Público, contabilizou 176 terreiros fechados após ataques ou ameaças de traficantes — mais da metade dos casos na Baixada Fluminense. No ano passado, a comissão não recebeu nem 100 denúncias.
As investigações da Polícia Civil revelam que o aumento dos casos está diretamente ligado a um plano expansionista da facção. Quem está por trás das ordens para os ataques são os traficantes que se dizem evangélicos e se apresentam nas redes sociais como o “Exército do Deus Vivo”, como os pastores evangélicos costumam se referir aos fiéis.