quinta-feira, 25 de junho de 2020
Especialista diz não ser correto, para efeito de pesquisas, reunir pardos e pretos em um só grupo, de negros. Segundo ele, a discriminação contra os pretos é muito maior do que a verificada entre as pessoas que se autodeclaram pardas
A divulgação, por parte da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), de notícia sobre a ausência de pessoas pretas nos cursos mais concorridos da Universidade de São Paulo (USP) alimentou uma polêmica sobre a forma mais correta de se classificar a população pela cor ou raça. Com a bandeira do “politicamente correto” levantada, alguns defenderam que seria melhor utilizar os termos negros ou afrodescendentes. Mas é errado chamar alguém de preto?
O debate começou porque a Fuvest, responsável pela seleção dos alunos da USP, adotou o padrão de classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divide a população do País em cinco grupos: pretos, pardos, brancos, amarelos e indígenas.
A alegação é histórica: o primeiro censo demográfico do Brasil foi feito em 1872 e perguntava aos brasileiros em qual dos quatro grupos eles se enquadravam: preto, pardo, caboclo ou branco. Ao longo de mais de 140 anos, foram feitas algumas mudanças na nomenclatura, mas ainda não há consenso sobre a forma de classificar a população.
José Luiz Petruccelli, que faz pesquisas sobre diversidade racial há mais de 20 anos no IBGE, reconhece que a classificação pode ser aprimorada, embora defenda que o modelo segue uma série histórica e mudanças poderiam prejudicar a comparação dos dados. “Esse é um tema muito polêmico. Alguns defendem que deveríamos usar a classificação negro, mas o negro é uma identidade social. Leva em conta uma visão política, a identidade de um povo muito mais do que a cor da pele”, defende.
O especialista diz não ser correto, para efeito de pesquisas, reunir pardos e pretos em um só grupo, de negros. Segundo ele, a discriminação contra os pretos é muito maior do que a verificada entre as pessoas que se autodeclaram pardas, e essa diferença precisa estar presente nos levantamentos demográficos. “Existe diferença no comportamento social entre pretos e pardos: quanto mais escuro, mais discriminado”, afirma.
Já a União de Negros pela Igualdade (Unegro), organização de movimentos sociais criada na Bahia e presente em 24 Estados, defende que o mais adequado é usar o termo negro, embora aceite as regras do IBGE. “Como não existe um critério científico para essa classificação, acordou-se em usar a nomenclatura do IBGE para pesquisas, que seria o mais próximo do viável”, disse Alexandre Braga, diretor de comunicação da entidade.
Apesar de concordar que quanto mais escura a cor da pele, maior a discriminação, a Unegro acredita que o IBGE possa vir a usar apenas a classificação negro no futuro. “As pessoas se identificam mais como negras do que pretas ou pardas”, afirma Alexandre.
Nas pesquisas do Censo feitas pelo IBGE, é apresentada uma relação com as cinco nomenclaturas utilizadas e as pessoas precisam indicar a qual cor pertencem. Segundo Petruccelli, cada pessoa tem liberdade para dizer a sua classificação. Ele explica que pretos normalmente são as pessoas que se enxergam com a cor mais escura. Mas em relação aos pardos não há consenso. “Normalmente são as pessoas que se classificam como ‘morenas’ ou ‘mulatas’, mas isso depende na região”, afirma.
O pesquisador diz ainda que nas regiões Sul e Sudeste, a população que se declara parda normalmente é de origem africana. Porém, no Norte, muitos pardos são, na verdade, descendentes de indígenas. Ele ainda conta uma história curiosa sobre a situação no Distrito Federal. “A população local, por mais branca que seja a sua pele, se classifica como parda porque vê os brancos como os funcionários públicos que vieram de fora”.
De acordo com o pesquisador do IBGE, a presença de pretos é menor no Brasil, por isso existe a tendência em reunir pardos e pretos em um grupo de negros. Ele diz que apenas para as pesquisas o termo não se aplica, mas que na convivência social é válido agrupar as duas nomenclaturas. Para o representante da Unegro, ocorre também a resistência em assumir a cor preta e muitos preferem ser incluídos na lista dos pardos – que seria uma forma intermediária. “A identidade do negro é muito maior, por isso defendemos a utilização desse termo”, afirma.
De acordo com o diretor da Unegro, o termo afrodescendente – ou afrobrasileiro – está em desuso. “Acredito que hoje seja muito mais adequado chamar alguém de negro do que de afrodescendente. Essa é muito mais uma nomenclatura política, de ação dos movimentos sociais na luta contra discriminação do que para designar a cor”, explica.
Fonte: Portal Terra
Justiça determina que fundação do governo Bolsonaro apague textos contra Zumbi dos Palmares
Artigos devem ser retirados dos canais de comunicação da instituição sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil
A Justiça determinou nesta sexta-feira (29) que a Fundação Palmares deve apagar imediatamente de seus canais de comunicação dois textos que foram publicados contra Zumbi dos Palmares.
Na decisão, a juíza Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, da 9ª Vara Federal Cível da SJDF, determinou que os artigos “Zumbi e a Consciência Negra – Existem de Verdade?”, de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino, e “A Narrativa Mística de Zumbi dos Palmares”, de Mayalu Felix, devem ser retirados dos canais de comunicação da instituição, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil.
A juíza deferiu pedido de liminar apresentador pelos deputados Túlio Gadêlha (PDT-PE), Benedita da Silva (PT-RJ), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Bira do Pindaré (PSB-MA).
“Concluo, com base nessas considerações, que a permanência dos artigos questionados no sítio institucional da Fundação Cultural Palmares ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro e viola o direito à identidade, ação e memória da comunidade negra e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade”, diz a decisão.
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Pai de santo denuncia invasão, tiros e destruição de objetos sagrados em terreiro na Bahia: 'Violência muito grave'
Terreiro Ilê Axé Icimimó Agunjí Didê fica em Cachoeira e é tombado pelo Iphan. Empresa acusada de praticar o vandalismo nega e diz que as terras mencionadas pelo terreiro pertencem ao grupo.
Por Thiago Pereira e Ruan Melo, G1 BA
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Terreiro denuncia ataque motivado por intolerância religiosa
A tranquilidade do terreiro Ilê Axé Icimimó Agunjí Didê, em Cachoeira, no Recôncavo baiano, foi substituída por momentos de tensão na última terça-feira (9). Em postagem feita nas redes sociais, Antônio Santos, o Pai Duda de Candola, denunciou uma invasão de homens armados ao local. No relato, ele afirma que os invasores dispararam tiros para o alto, cortaram as cercas que delimitam o terreno do terreiro de candomblé e destruíram objetos sagrados.
Na manhã desta sexta-feira (12), Pai Duda de Candola narrou ao G1 o que presenciou na última terça-feira. Ele afirma que os responsáveis pela invasão eram funcionários da empresa Penha Papéis e Embalagens, que tem sede na cidade de Santo Amaro da Purificação, vizinha a Cachoeira.
“Essa invasão já é a quarta vez que esses agressores chegam ao terreiro. Na terça-feira, por volta das 9h foi que aconteceu esse grande absurdo. Chegaram com grande violência. Eu não pude me aproximar muito, eram vários homens armados, deflagrando tiros para cima. De longe consegui tirar foto de um dos carros", disse o pai de santo.
Ao G1, a empresa disse que as denúncias de uso de violência e intolerância religiosa são falsas e que as terras mencionadas pelo terreiro pertencem ao grupo. Confira nota completa da empresa ao fim desta reportagem.
Caso foi registrado em Cachoeira, no Recôncavo baiano — Foto: Pai Duda de Candola/Arquivo pessoal
"Temos o terreiro todo cercado. Eles chegaram e cortaram os arames a cada meio metro e derrubaram a cerca, quebraram assentamentos centenários de orixás. Voltei ao local do assentamento e as ferramentas centenárias que estavam lá foram retiradas. Deixaram a roça [terreiro] aberta. Temos assentamentos de orixás dentro das matas, com a derrubada da cerca tem gado pastando dentro do terreiro. As folhas sagradas e nascentes, que são a matéria prima, a natureza da nossa religião, estão expostas, sujeitas a invasão. Isso vem acontecendo sempre. Já é a quarta vez”, completa Pai Duda.
Em nota, o Grupo Penha informou as terras mencionadas pelo Terreiro Icimimó pertencem à empresa e que através de um acordo realizado com o Ministério Público, em março de 2019, ficou autorizado que a "instituição religiosa usufruísse de um lote devidamente demarcado". O Grupo Penha afirma que Pai Duda esteve presente no dia da audiência.
A empresa conta que o terreiro quebrou o acordo inicialmente firmado e instalou cercas no perímetro que não é sua propriedade. O Grupo Penha acrescenta que foi peticionado junto ao Ministério Público e lavrada em Boletim de Ocorrência a situação.
O Grupo Penha afirma também que as denúncias de abuso de violência, intolerância religiosa são falsas. A empresa relata que age de forma responsável, que valoriza o respeito e repudia qualquer atitude que fere a diversidade cultural. Por fim, o grupo relata que o departamento jurídico está tomando todas as medidas legais para resguardar seus direitos.
Pai Duda de Candola, porém, afirma que esta foi a invasão mais grave cometida por este grupo no terreiro. Ele afirma que idosos que estão vivendo no local durante a pandemia do coronavírus passaram mal.
“Dentro desses últimos 15 dias eles foram no nosso terreiro por três vezes. Essa de terça-feira foi a mais grave, vários homens armados atirando para cima, derrubando tudo. Uma violência muito grave. Temos pessoas idosas no terreiro. Temos uma casa na cidade, mas nesse momento de pandemia a gente preferiu levar os idosos para ficar no terreiro. Eles passaram mal, todo mundo teve que sair da roça. A gente não está na cabeça ou no coração de ninguém, não sabemos o que pode acontecer”, diz.
O terreiro de candomblé foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado, desde 2014, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac). O local também é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que, em nota, afirmou que encaminhou pedido de inquérito ao Ministério Público Federal (MPF). Os responsáveis pelo terreiro também foram orientados pela Superintendência do Iphan a procurar a Defensoria Pública da União (DPU).
Já o Ipac afirmou que acionou as entidades responsáveis pela Segurança Pública do Estado, notificando o Ministério Público e a Polícia Civil da região, bem como a Prefeitura Municipal de Cachoeira.
“O terreiro é tombado pelo Iphan, registrado no Ipac, tem a associação de Seguidores de são Gerônimo, que administra o terreiro, e temos uma escritura pública de compra e venda. Com mais de cem anos. Tudo legalizado. A fundadora do terreiro comprou na mão da União Fabril da Bahia, comprou, pagou e lavrou escritura. Eles invadiram a área antes da minha sucessão no terreiro e plantaram bambu em 80% da área. A gente quer reflorestar o terreiro, quer cultuar nossos orixás na mata. O bambu está matando as nascentes, invadindo a roça”, acrescenta Pai Duda.
Iphan encaminhou pedido de inquérito ao Ministério Público Federal (MPF) — Foto: Pai Duda de Candola/Arquivo pessoal
Pai Duda afirma que, após primeiro episódio de invasão ao local, chegou a ser feita uma audiência pública. Contudo, a situação persiste.
“Teve um incêndio no terreiro, há um tempo atrás, que começou em três pontos do bambuzal. Nas partes laterais e no fundo, a casa fica no meio. Chegou a 50 metros da casa do terreiro. Queimou a roça toda. A gente não viu quem colocou esse fogo, mas o bambu é como se fosse gasolina. Todo ano é assim, colocam fogo no bambu e sai queimando assentamento, destruindo tudo”, conta o pai de santo.
“Tem um morador da comunidade que trabalha para a Penha. Ele passa todos os dias duas ou três vezes montado a cavalo por dentro do terreiro. Isso nos causa um medo. Os idosos já não suportam mais. Todo dia ele passa a cavalo, com a farda da Penha. Eu pergunto a mando de quem ele está lá. Ele diz que a mando da fábrica, que ele é funcionário. Diz que está indo vigiar o terreiro a mando da Penha. Vigiar o que eu não sei. O terreiro é cercado de assentamentos ancestrais”, continua.
O Iphan acrescenta que o terreiro Ilê Axé Icimimó Agunjí Didê é uma das casas de Candomblé mais antigas do Recôncavo Baiano e que no dia 13 de maio recebeu tombamento emergencial, com objetivo de “preservar o lugar, referência cultural para o povo de matriz africana”.
Diretor geral do Ipac, João Carlos de Oliveira disse que "toda atitude de intimidação, comungada por ação criminosa e de viés racista e de intolerância religiosa, deve ser fortemente desamparada pela impunidade".
Responsáveis pelo terreiro também foram orientados pela Superintendência do Iphan a procurar a Defensoria Pública da União (DPU) — Foto: Pai Duda de Candola/Arquivo pessoal
Veja o que disse o Iphan:
A Superintendência do Iphan na Bahia foi informada do acontecimento e já encaminhou pedido de inquérito ao Ministério Público Federal (MPF). Os responsáveis pelo terreiro também foram orientados a procurar a Defensoria Pública da União (DPU).
Uma das casas de Candomblé mais antigas do Recôncavo Baiano, na cidade de Cachoeira, o Terreiro Aganjú Didê – Ici Mimó recebeu tombamento emergencial pelo Iphan no último dia 13 de maio. A decisão tem o objetivo de preservar o lugar, referência cultural para o povo de matriz africana.
Veja o que disse o Ipac:
Segundo informações da comunidade do terreiro Ilê Axé Icimimo, localizado em Cachoeira, na manhã da última terça-feira (09), o espaço foi atacado mais uma vez, tendo suas cercas de proteção e vários assentamentos sagrados destruídos.
Por se tratar de um bem reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado, desde 2014, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), o órgão acionou as entidades responsáveis pela Segurança Pública do Estado, notificando o Ministério Público e a Polícia Civil da região, bem como a Prefeitura Municipal de Cachoeira.
"Toda atitude de intimidação, comungada por ação criminosa e de viés racista e de intolerância religiosa, deve ser fortemente desamparada pela impunidade. Nos solidarizamos com nossos irmãos e, como órgão de proteção ao bem, tomamos as atitudes cabíveis ao ato”, explicou o diretor geral do Ipac, João Carlos de Oliveira.
Veja o que disse o Grupo Penha:
O Grupo Penha detém terras na região de Cachoeira (BA) desde o ano de 2005, data em que adquiriu a antiga IPB – Indústria de Papéis da Bahia, a qual mantinha florestas de bambu na região desde a década de 70. Na oportunidade, o processo de aquisição da fábrica e seus respectivos bens acessórios ocorreram com o amparo da lei e reconhecidos com escritura registrada em cartório.
As terras mencionadas pelo TERREIRO ICIMIMÓ são de propriedade de nossa empresa, que através de um acordo com o Ministério Público realizado em 07/03/2019, ficou autorizado que a instituição religiosa usufruísse de um lote devidamente demarcado com metragem acolhida pelo Ministério Público e, também, pelo Pai Duda, que esteve presente no dia da audiência, sob a condição de que eles respeitassem esta demarcação, vez que ali a empresa cultiva bambu para gerar energia renovável para alimentação de suas caldeiras. Entretanto, o referido TERREIRO quebrou o acordo inicialmente firmado e instalou cercas em nosso perímetro.
Diante desta situação de esbulho da área, foi peticionado junto ao Ministério Público o fato, bem como lavrado Boletim de Ocorrência para preservação das propriedades do Grupo Penha. A referida cerca teve seus marcos alterados ilegalmente pelo TERREIRO.
As denúncias de uso de violência, intolerância religiosa ou qualquer acusação de ordem segregatista são evidentemente falsas. Somos um grupo empresarial idôneo que atua há quase 60 (sessenta) anos no mercado e agimos de forma responsável com as comunidades em que nossas plantas estão instaladas e com a sociedade como um todo.
Só no Estado da Bahia empregamos mais de 1mil profissionais diretos e cerca de 3mil indiretos. Valorizamos o respeito e repudiamos toda e qualquer atitude que fere à diversidade cultural, religiosa e ideológica e, essas premissas, são refletidas em nosso Código de Conduta, valores, esses, supremos para a companhia. Lamentamos a atitude irresponsável do TERREIRO ICIMIMÓ por proferir inverdades sobre o acontecimento dos fatos e, reiteramos, que, todas as nossas ações estão amparadas pelo Poder Judiciário.
O Departamento Jurídico do Grupo Penha já está tomando todas as medidas legais cabíveis para resguardar os direitos de nossa propriedade.
Atenciosamente
Direção Grupo Penha
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