quarta-feira, 21 de setembro de 2016



"Lá do fundo do Baú".






Atribuído ao escritor Luís Fernando Veríssimo, este texto circula já há um bom tempo na internet e é um retrato da corrupção deslavada que grassa no país. De bandido a mocinho, a transição é rápida. Tudo depende dos cifrões disponíveis na conta bancária do personagem.

O BRASIL EXPLICADO EM GALINHAS


Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o levaram para a delegacia.

- Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!

- Não era para mim não. Era para vender.

- Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!

- Mas eu vendia mais caro.

- Mais caro?

- Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.

- Mas eram as mesmas galinhas, safado.

- Os ovos das minhas eu pintava.

- Que grande pilantra… (mas já havia certo respeito no tom do delegado…). Ainda bem que tu vais preso. Se o dono do galinheiro te pega…

- Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Comprometi-me a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio.

- E o que você faz com o lucro do seu negócio?

- Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.

O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:

- Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?

- Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.

- E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?

- Às vezes. Sabe como é.

- Não sei não, Excelência. Explique-me.

- É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso, finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.

- O que é isso, Excelência? O senhor não vai ser preso não.

- Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!

- Sim. Mas primário, e com esses antecedentes…