sexta-feira, 29 de novembro de 2019


SÉRGIO CAMARGO
Quem é o novo presidente da Fundação Palmares, que já enfrenta resistência?
Crítico do movimento negro, Sérgio Camargo é contra cotas raciais, já afirmou que Marielle Franco 'não era negra' e reprova o Dia da Consciência Negra
28 nov, 2019
Descrição: Quem é o novo presidente da Fundação Palmares, que já enfrenta resistência?Sérgio Camargo foi nomeado presidente da Fundação Palmares na última quarta-feira, 27 (Foto: Facebook/Sérgio Camargo)
O novo presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Nascimento de Camargo, foi nomeado oficialmente na última quarta-feira, 27, tendo o nome publicado no Diário Oficial da União (DOU).
Com a nomeação, Sérgio Camargo se tornou responsável pelo comando da entidade pública que tem entre suas atribuições a promoção da cultura afro-brasileira. Segundo a Lei 7.688/1988, assinada pelo então presidente José Sarney, que fundou a FCP, a entidade tem por finalidade “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.
Porém, em menos de 24h, seu nome foi duramente repudiado, principalmente por integrantes do movimento negro. Um abaixo assinado online contra a nomeação foi criado e já reúne mais de 18 mil assinaturas e o Psol protocolou uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a ascensão de Camargo ao cargo nesta quinta-feira, 28.
“O PSOL entrou com representação no Ministério Público Federal contra a nomeação de Sérgio Camargo para presidir a Fundação Palmares. É evidente que quem relativiza o racismo e ataca e ofende lideranças negras não pode estar à frente do órgão que fomenta a cultura afro-brasileira”, escreveu o deputado federal David Miranda, autor da representação.
Miranda não foi o único parlamentar a se manifestar contra a nomeação. Muitos críticos apontam que Sérgio Camargo costuma dar declarações – , principalmente através de suas postagens em sua página no Facebook – que vão contra todos os preceitos da Fundação Palmares.
As deputadas federais Talíria Petrone (Psol-RJ) e Áurea Carolina (Psol-MG) divulgaram uma nota de repúdio contra a nomeação do novo presidente da Fundação.
“Nas redes sociais, Sérgio nega a existência do racismo e a importância do Movimento Negro. Ataca símbolos da história afro-brasileira, como Zumbi e o Dia da Consciência Negra, desrespeita as religiões de matriz africana e as manif. da cultura periférica como o funk e o hip hop. […] Ainda, Camargo tem um histórico de agressões a personalidades negras brasileiras, principalmente a mulheres, e à memória da nossa querida companheira Marielle Franco, reconhecida internacionalmente por seu trabalho contra o racismo e o genocídio da população negra e periférica”, diz a nota assinada pelas parlamentares.
Ainda no comunicado, as deputadas exaltam a importância da Fundação Palmares para a luta pelos direitos dos negros, inclusive referente ao acesso à Cultura – a entidade é ligada à Secretaria Especial de Cultura, antigo Ministério da Cultura. Segundo a nota, a FCP foi o primeiro mecanismo institucional de proteção e promoção ao patrimônio cultural negro no país.
“Em 37 anos, a Palmares foi decisiva p/ garantir os direitos sociais e culturais da pop afro-brasileira, c/ políticas de reconhecimento às com. quilombolas, proteção do patrimônio cultural e religioso negro, fomento à cultura e às artes afro-brasileiras e produção de informações”, dizem o comunicado.
Fora do campo político, a nomeação de Sérgio Camargo também foi repudiada. O escritor Ale Santos, autor do livro Rastros de Resistência – que conta histórias de luta do povo negro -, lembrou a história de Palmares, quilombo que serviu de abrigo para diferentes figuras que hoje inspiram o movimento negro.
“Negros fugiam da senzala para se abrigar em Palmares, resistiram ao lado de Aqualtune, Ganga Zumba e Zumbi por quase 100 anos. Quem se opôs, degolou Zumbi e exibiu em praça pública como vitória para os escravagistas. Todos os homens que lutaram ao seu lado foram assassinados. Palmares foi queimado. E mesmo assim, resistiu na nossa memória como maior símbolo da militância. A nomeação do Sérgio Camargo na Fundação representa a vitória de quem degolou Zumbi e seus guerreiros”, escreveu o escritor nas redes sociais.
Já o abaixo-assinado, que pede a troca do recém-nomeado presidente da Fundação Palmares, destaca a importância da entidade para o movimento negro e cita declarações de Sérgio Camargo contra as manifestações em prol do movimento.
“Com tais alegações vemos que este senhor é inapto a ocupar o cargo de presidente da Fundação Palmares. Por isso viemos, por meio deste abaixo-assinado, exigir sua substituição imediata por alguém com aptidão a ocupar um cargo de promoção de políticas à população negra”, diz o documento, que segue reunindo assinaturas.
Ainda na quarta-feira, o irmão de Sérgio Camargo, o produtor cultural Oswaldo de Camargo Filho, mais conhecido como Wadico Camargo, também criticou a nomeação de Sérgio Camargo para a direção da Fundação Palmares. Ativista pelo movimento negro, Wadico usou as redes sociais para afirmar que tem “vergonha de ser irmão desse capitão do mato”.
A rejeição à nomeação de Sérgio Camargo chegou até o presidente Jair Bolsonaro. Na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro foi questionado sobre as polêmicas envolvendo o novo presidente da Fundação Palmares. Evitando responder as perguntas, o presidente disse apenas que não conhece pessoalmente o novo nomeado – anteriormente, Bolsonaro já havia dito que o secretário de Cultura, Roberto Alvim, teria liberdade para trabalhar.
Quem é Sérgio Camargo?
“Negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Assim se descreve Sérgio Camargo, o novo presidente da Fundação Palmares, em sua página no Facebook, na qual é bem assíduo.
A nomeação de Sérgio Camargo integra uma grande mudança feita pelo atual secretário de Cultura, Roberto Alvim, na Pasta. O dramaturgo assumiu a Secretaria de Cultura, ligada ao Ministério da Cidadania, no início deste mês de novembro. Na publicação do Diário Oficial da União na última quarta-feira outras nomeações, exonerações e designações foram feitas na estrutura da Pasta.
No mesmo dia em que sua nomeação foi publicada, Sérgio Camargo passou a enfrentar a rejeição pública. Isso porque o novo presidente da Fundação Palmares reúne inúmeras polêmicas com seu posicionamento em relação ao movimento negro e apoio ao presidente Jair Bolsonaro.
Contrário a cotas raciais e a adaptação de termos que podem ser interpretados como racismo, Sérgio Camargo utiliza as redes sociais para se posicionar sobre os mais diferentes assuntos. Uma de suas últimas lutas tem sido contra o banimento do termo “criado-mudo” por lojas especializadas em vendas de móveis e decorações.
A rejeição ao termo “criado-mudo”, referente ao móvel que fica ao lado da cama, ganhou força no último dia 20 de novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra. Na ocasião, a loja Etna lançou um comercial explicando a origem racista do termo e anunciou que estava começando a trocar a palavra por “móvel de cabeceira”. A concorrente Tok&Stok parabenizou a Etna pela iniciativa e afirmou que faria o mesmo até o início de 2020.
Sérgio Camargo, por sua vez, usou as redes sociais para criticar a iniciativa. Usando o jargão “quem lacra não lucra”, o novo presidente da Fundação Palmares classificou o comercial como “uma grande besteira, uma imbecilidade”.
“A titulo de combater o racismo, a marca Etna o estimula ao dar voz à militância racialista, rancorosa e segregacionistas do movimento negro. Comercial vergonhoso! Não reflete a mentalidade do negro brasileiro, e do povo em geral, mas propaga o discurso ignorante de minorias empoderadas pela esquerda, pretos que tornaram-se escravos ideológicos e idiotas úteis da agenda progressista”, escreveu.
Já em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, Sérgio Camargo destacou que “a consciência de todos é humana e não tem cor!”, uma afirmação constantemente rejeitada por integrantes do movimento negro, apontando que a frase apenas prejudica a luta pela igualdade no Brasil.
Em relação aos “esquerdistas”, Sérgio Camargo adota a mesma postura do ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmando que os eleitores de viés de esquerda no aspecto político serão excluídos ou rejeitados em seu perfil nas redes sociais. “Não é intolerância, é decência e necessidade de profilaxia moral e intelectual”, explica o novo presidente da Fundação Palmares.
Amante de música clássica, compartilhando também seu gosto por Chopin e Beethoven nas redes sociais, Sérgio Camargo também já se posicionou contra o gênero musical Hip-Hop. Compartilhando uma postagem que celebrava o Dia Mundial do Hip-Hop, e exaltava o movimento cultural como um resgate da vida de negros, Camargo afirmou que “o movimento que mais salvou pessoas negras no mundo chama-se Capitalismo, que gera empregos”.
Sobre a vereadora assassinada Marielle Franco (Psol-RJ), Sérgio Camargo afirma que a parlamentar não era negra, mas “parda (mulata)”. Segundo Camargo, Franco apenas se autodeclarava negra para “reforçar o perfil de ‘vítima’ e ‘oprimida’”. A vereadora, que foi assassinada em 2018, junto com seu motorista Anderson Gomes, é amplamente defendida por integrantes do movimento negro.
Já em relação ao partido Aliança pelo Brasil, que está sendo fundado por Bolsonaro e aliados, Sérgio Camargo revelou que nunca havia se filiado à uma legenda, mas teria intenção de “quebrar a regra”. “Nasceu um partido conservador de direita e é do Bolsonaro!”, escreveu no Facebook.
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