domingo, 12 de dezembro de 2010

A intolerância que bate à porta


JORNAL "O EXTRA" FILIADO DAS EDIÇÕES GLOBO FALA DA DESASSOCIAÇÃO




A intolerância que bate à porta



Você já ouviu algo sobre desassociação? Pois bem, no início deste ano, o Ministério Público do Ceará recebeu uma denúncia inusitada. Um funcionário público federal, ex-seguidor das Testemunhas de Jeová, entrou na Justiça para garantir seu direito de não ser perseguido - nem proscrito - pela instituição. Segundo Sebastião Ramos, 52, “todas as pessoas que saem ou são expulsas da Igreja - por mau comportamento ou por discordar dos dogmas propostos - é terminantemente proibido de ter contado com amigos e familiares que permanecem como seguidores. É como se nós, os desassociados, estivéssemos mortos para as pessoas que amamos”, desabafa.




Nos últimos meses tenho acompanhando a luta deste grupo que tenta denunciar, ao que me parece, um certo tipo de excomunhão. Quando iniciei a pesquisa sobre a desassociação dos membros da Igreja Testemunha de Jeová – movimento que ganha contorno de luta política e judiciária, com forte articulação no nordeste - as pessoas me diziam “ah, Rosiane, ninguém dá bola para isso. Quem é que se preocupa se foi excomungado ou desassociado? É só seguir a vida”. Este até pode ser o caminho para quem é excomungado pela Igreja Católica, mas acredito que a desassociação é algo mais difícil.

Em primeiro lugar não pretendo diagnosticar se os procedimentos religiosos de uma ou outra Igreja são melhores ou piores. Farei a comparação entre a excomunhão praticada pela Igreja Católica e a desassociação das Testemunhas de Jeová, por um motivo simples: é possível que já tenhamos ouvido falar sobre excomunhão. Já a desassociação é um conceito similar, mas que não apenas bane a pessoa do convívio religioso, mas social.

Em linhas gerais, a excomunhão é usada em casos extremos de violação de dogmas e não se tem notícias de que outros católicos sejam obrigados a cortar relações sociais e familiares com o excomungado. Um documento da Organização Católicas pelo Direito de Decidir aponta que médicos, profissionais de saúde e conselheiros tutelares já não levam em conta se são excomungados ou não pela Igreja, nos casos de aborto legal. Enfim, é uma questão que só afeta o próprio seguidor e, à princípio, não gera transtornos em sua vida social. Já a desassociação promove, segundo relato das vítimas, uma ruptura com a estrutura social e familiar do ex-membro. Os desassociados ficam com suas “fichas sujas” e são ignorados se assistirem ou frequentarem, mesmo que o mais distante dos Templos. O nome do “proscrito” é anunciado no púlpito e a partir daí, quem ousar acenar - num simples olá! – recebe a mesma punição.

Para os desassociados, o mais difícil é romper com a família. Ramos ainda relata que o fato é comum com vários ex-seguidores e que as regras da desassociação são extremamente rígidas. “Se não forem obedecidas, ou seja, se algum membro falar ou cumprimentar um ex-membro e for denunciado, será expulso também. E todos temem passar por isso. Há o caso de uma jovem que foi desassociada e que é obrigada a ficar trancada no quarto para não ter contato com outros seguidores das testemunhas de Jeová, quando visitam sua casa”, revela.


O caso está sendo acompanhado pelo Escritório Frei Tito de Alencar, vinculado a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Devido ao ineditismo da ação, o Tribunal de Justiça resolveu arquivar a denúncia do MP. Uma campanha contra a desassociação, com direito a out-doors, reportagens e adesão de vários religiosos, está à pleno vapor no Estado. Religiosos de outras denominações se sentem perplexos diante das denúncias. A Procuradoria de Justiça do Ceará, segundo informação da vítima, está recorrendo da decisão. Mais em http://extestemunhasdejeova.net/forum/
http://extra.globo.com/geral/religiaoefe/rosianerodrigues/posts/2010/10/27/a-intolerancia-que-bate-porta-335678.asp
Rosiane Rodrigues é jornalista