A empresa e o esquema
eram comandados por um pastor da Assembleia de Deus conhecido como José
Caitano Neto -não é possível saber se esse é seu nome verdadeiro porque
ele possui mais de uma identidade. A igreja evangélica, que a princípio
não tem relação direta com os crimes, disse que não comenta casos
particulares.
O advogado do pastor, Ademir Sérgio dos Santos,
afirmou em nota que as denúncias são falsas, que não foram encontrados
indícios de irregularidade no local e que "trata-se de prisão
arbitrária". Antes de ser preso, Caitano Neto disse à reportagem que o
responsável pela venda dos documentos era um ex-funcionário, já demitido
(leia abaixo).
ASSINATURAS FALSAS
Para fazer os diplomas,
ele usava assinaturas e históricos escolares falsos. Os documentos, por
exemplo, emitidos em nome da Facel (Faculdade de Administração,
Ciências, Educação e Letras) e da Spei (Sociedade Paranaense de Ensino e
Informática) são assinados pela secretária geral Josefa Ambrósio Mourão
e o diretor geral Saulo Gomes Pena.
No entanto, ambos nunca foram
vistos por funcionários nas duas faculdades, em Curitiba, nem na sede
da Digamma em São Paulo. Quem fazia as assinaturas era o próprio Caitano
Neto, como indicam fotos obtidas pela reportagem.
As outras seis
instituições que o grupo detém são: Afirmativo (Fafi), Fatesf (Faculdade
São Francisco), Fama (Faculdade Educacional de Matelândia), Ação,
Fasvipa (Faculdade São Vicente de Pão de Açúcar) e EBS (Faculdade
Estação).
As oito faculdades estão espalhadas por cinco estados
(PR, SC, MT, RO e AL) e realmente existem. Têm cursos de graduação e
pós-graduação registrados no MEC, porém algumas delas estão em estado de
abandono desde que a Digamma as comprou, entre 2015 e 2017.
A
suspeita é de que Caitano as comprava para pegar o dinheiro em caixa e
emitir os diplomas falsos, atrasando o pagamento de contas e
funcionários.
Nos emails, parte dos diplomas falsos é encomendada
por um homem chamado Leonardo Pujatti. Em uma das mensagens, em setembro
de 2017, ele diz: "Prezado Caitano, diploma de administração para esta
aluna. Ela não terminou o ensino médio. Precisa fazer do ensino médio
também".
Não é a primeira vez que Caitano Neto e Pujatti são
suspeitos de atuar juntos. Ambos são investigados pelo caso de uma
instituição chamada FTB (Faculdades Integradas da Terra de Brasília),
descredenciada pelo MEC em 2011 após suspeita de venda de mais de 600
diplomas.
Antes da prisão dos suspeitos, Pujatti afirmou à
reportagem por email que conhece José Caitano Neto, mas "não tem relação
com diplomas" e está "apenas repassando e-mails". Também negou ter
qualquer relação com o caso da FTB. A polícia não informou se ele está
entre os detidos.
O PASTOR
Na Justiça Federal, Caitano Neto
já é réu ao menos desde 2002. Existem contra ele diversos processos em
estados como Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal. Ao menos quatro
são por estelionato ou uso de documento falso.
Em 2007, por
exemplo, ele apresentou uma carteira fictícia do Cremesp (Conselho
Regional de Medicina de SP) para tentar obter benefícios do INSS a uma
mulher. Mesmo tendo sido condenado em primeira instância a prestar
serviços comunitários em 2016, ele ainda se identifica como pediatra a
conhecidos e no site de sua empresa.
Hoje ele tem ao menos dois
RGs, um no nome de José Caitano Neto, que teria nascido em Palmeirais
(PI), e outro como Caitano Eleazar Neto, natural de Embu Guaçu (SP).
Além
do imóvel em Itaim Paulista de onde o pastor comandava o esquema, a
Digamma funcionava em outras duas casas na zona leste de SP e tinha
cerca de 2.300 funcionários no país, segundo o próprio dono da empresa.
A
reportagem apurou que parte dos empregados da empresa e das faculdades
não sabia das atividades ilegais e irregulares praticadas.
Teoricamente,
uma das funções do grupo era achar entidades parceiras (institutos,
escritórios etc.) para fazer a venda dos cursos a distância das
faculdades para alunos que moram em áreas distantes -o que é permitido.
Há
suspeitas, porém, de terceirização da educação superior, ou seja, de
que as faculdades estivessem delegando a responsabilidade pelas aulas a
terceiros não credenciados pelo Ministério da Educação -o que é
irregular.
A faculdade Afirmativo, por exemplo, que fica em
Cuiabá, já estava sendo investigada pelo MEC por oferta irregular de
ensino em várias regiões do país, segundo o órgão. Uma medida cautelar
(preventiva) de julho de 2017 determinou a interrupção imediata de
práticas como a terceirização e os "cursos livres equivocadamente
caracterizados como de extensão".
Outras três instituições do
grupo -a Facel, a Fama e a Spei- também são alvo de processos
administrativos, mas ainda em etapa inicial. O MEC disse que só pode
fornecer informações após o fim das ações. O órgão ressaltou que atua
"apenas no âmbito educacional" e que "não tem poder punitivo ou de
polícia para investigações de crimes".
Segundo a Polícia Civil, os
suspeitos responderão por falsificação de documento, associação
criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, exercício
ilegal da profissão, crime contra relações de consumo e por promover,
constituir, financiar ou integrar organização criminosa.
OUTRO LADO
A
defesa de José Caitano Neto afirmou, por meio de nota, que a denúncia é
falsa e partiu de um ex-funcionário que tentava "se livrar" de uma
acusação de desvio nos cofres do Grupo Digamma Educacional, registrada
pelo chefe no 22º DP na semana passada.
Segundo o advogado Ademir
Sérgio dos Santos, os documentos apreendidos nos escritórios do grupo
são verdadeiros e foram esclarecidos à polícia. "Os fatos foram apurados
de forma genérica sem sequer um resultado pericial que atestasse
qualquer falsidade. [...] Trata-se de prisão arbitrária que com certeza
será revogada de imediato pelo Judiciário", declarou.
Antes de ser
preso, José Caitano Neto havia afirmado à reportagem que o responsável
pela venda de diplomas em nome de suas faculdades também era um
ex-funcionário, que já havia sido demitido.
Segundo o pastor, o
antigo empregado agiu "de má-fé com acordos obscuros com outras
instituições, onde o mesmo falsificava assinaturas para a liberação de
diplomas", disse ele na ocasião por email.
O funcionário teria
continuado a falsificar documentos em nome da Facel mesmo após sua
demissão, em meados de 2016. No entanto, os pedidos de diplomas falsos
obtidos pela reportagem foram todos feitos em emails internos da empresa
enviados no segundo semestre de 2017, portanto não poderiam ter sido
acessados pelo ex-colaborador.
Em uma dessas mensagens, o próprio
Caitano Neto responde que um diploma de administração custa R$ 15 mil.
Quanto a isso, o pastor também declarou ter sido alvo de invasão de
ex-funcionários.
Pessoas que trabalhavam no departamento de
tecnologia da informação, disse ele, invadiram a rede de dados para
prejudicar a direção do grupo. Segundo o pastor, elas já haviam sido
flagradas tentando produzir provas contra os dirigentes.
"Infelizmente
algumas pessoas não se satisfazem com seus salários e, por uma questão
de índole, cometem certas atrocidades com bens alheios", afirmou.
Caitano
Neto havia declarado ainda que "não tem consistência" a informação de
que ele falsificava as assinaturas dos diretores das faculdades e que é
falsa a constatação de que ele tem dois RGs. "Já houve caso de
falsificação [de identidade] mas já foi denunciado, utilizados por
ex-funcionários."
Questionado sobre seu número de registro de
médico no Cremesp, ele declarou que o credenciamento foi cancelado após
sua "opção de mudar de ramo, de médico para empresário". Seu nome não
consta como ativo nem inativo no sistema do órgão e ele não respondeu em
qual faculdade se formou.
Sobre os processos administrativos que quatro das oito faculdades do
Grupo Digamma sofrem no Ministério da Educação, ele responsabiliza as
administrações anteriores. "Não estavam explícitos quando elas foram
adquiridas. Com respeito a cláusulas confidenciais não podemos relatar
nem detalhar a respeito, o que nos cabe é somente a regularização."
Com
informações da Folhapress.