quinta-feira, 14 de julho de 2016
O MEU NEGÓCIO É ROUBAR
SIRO DARLAN (*)
Esse é o negócio de um jovem de 16 anos e de tantos outros
brasileiros que reagem ao roubo de seus direitos fundamentais dessa forma tão
bárbara para se fazerem visíveis aos olhos da sociedade. Enquanto eles são vítimas
da falta de políticas públicas de uma municipalidade que nega os serviços de
saúde à sua mãe desde o período de gestação, o que em muito contribuiria para
seu desenvolvimento pré-natal; que lhe nega a vaga em uma creche que teria
proporcionado à sua mãe a possibilidade de trabalhar e criar seus filhos com
dignidade; a vaga no ensino fundamental que lhes possibilitaria o contacto com
os valores de respeito mútuo; continuam invisíveis e o máximo que lhes cabe
nesse latifúndio é a internação periódica nas Casas de Detenção de
adolescentes.
O jovem Y, 16 anos, envolvido na morte de um músico, esteve por
quatro vezes internado em instituições do Estado para adolescentes infratores,
o que vale dizer: o Estado já teve pelo menos quatro oportunidades para transformá-lo
em um cidadão com visibilidade, e fracassou. E fracassou por quê? A resposta
está em recente amostra que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
e o Conselho Federal de Psicologia publicaram sobre as unidades de internação
de adolescentes em conflito com a lei.
As conclusões da amostra sobre as unidades do Rio de Janeiro são
de “castigos, superlotação e a difícil liberdade”. A visita que os advogados e
psicólogos fizeram ao Instituto Padre Severino constatou que enquanto a
capacidade para internação provisória de adolescentes masculinos é de 160
jovens, havia 320. O ambiente tem pouca ventilação; os alojamentos são
inadequados, pequenos e quentes, com características de cela; alguns exalando
mau cheiro. Os adolescentes só saem das celas 15 minutos por dia e, às vezes,
nem saem. Quanto á saúde foi constatado relatos de sarna e de dor de dente,
sinais de traumatismo torácico e de espancamento, relatos de terem sofrido
tapas, socos e castigos físicos. A troca da roupa se faz a cada 10 dias.
O médico da unidade disse que não são distribuídos preservativos
e que o exame de HIV só é feito “quando pedem” e que os medicamentos não são
suficientes. Há diversos adolescentes com excesso de prazo no cumprimento das
medidas e embora se afirme que 60 adolescentes freqüentam a escola, chamou à
atenção a existência de um grande formigueiro dentro de uma sala de aula.
As famílias quando visitam os jovens são submetidas a vexatórias
e humilhantes revistas. Trabalham apenas 15 agentes por turno quando precisaria
pelo menos o dobro de profissionais capacitados para a tarefa de
re-socialização dos jovens internados.
Esses fatos tão relevantes no processo de realimentação da
violência entre os jovens não são discutidos na grande mídia, mas apenas os
seus resultados. O que não faltam são documentos denunciando o descaso com a
infância e suas conseqüências, tanto no campo cinematográfico quanto no
bibliográfico, mas as crianças continuam invisíveis aos olhos de uma sociedade
que clama por “vingança” ao invés de Justiça Social.
Roubar, traficar ou matar para esses jovens invisíveis é a única
forma de se fazerem notar como seres viventes, e a vida para eles que já não
alimentam sonhos, nem desejos e afirmam “tenho
o futuro atrasado” ou ainda “se
eu morrer aos 10 anos, eu descanso”, nada representa, já que a
deles também nada vale. A primeira causa de mortes de jovens no Brasil é o
homicídio, mas isso não merece nenhum editorial nos grandes jornais, que se
ocupam em enfatizar e lançar sementes de vingança na sociedade quando só tratam
vítimas como agentes de crimes.
A exclusão social desses jovens equivale a um genocídio de
pessoas em cujo desenvolvimento não se investe o que na falta de um vínculo
familiar, de um berço acolhedor e de políticas que lhes assegure o exercício da
cidadania, é fato causador da buscada ilusão das drogas e do agasalho na
criminalidade.
De que vale a vida para um jovem que já perdeu quatro irmãos na
criminalidade e que acha que nada mais lhe resta, quando mesmo que cumpra a
pena e queira se regenerar “vão
olhar minha fichacriminal e ninguém vai querer me dar trabalho”?
Trabalho que, diga-se de passagem, ele procurou no passado e lhe negaram. Eis
que, então com doze anos, a própria lei que o impede de trabalhar, não o
impediu de abraçar a criminalidade.
O resultado da gana de vingança de alguns editorialistas pode
ser medido nas Cartas dos Leitores , que de forma equivocada e incentivados por
mensagens simplistas e eivadas de indiferença pela situação de pobreza e
desamparo de muitos, expressam reações impulsivas e agressivas, ignorando as
cruéis condições da exclusão de crianças e jovens. Condena-se o Estatuto da
Criança e do Adolescente (sem ao menos lê-lo com atenção) que preconiza a
mudança, impõe o respeito aos direitos das crianças e adolescentes como forma
de combate à violência, e assegura acesso aos direitos fundamentais a todos os
cidadãos em processo de desenvolvimento.
É bom lembrar que foi essa mesma insensibilidade das turbas
conduzidas por agentes do mal, que as fizeram preferir a liberdade de Barrabás
e a crucificação de Jesus Cristo. Crucifica-os, Crucifica-os....
(*) Desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro