quinta-feira, 14 de julho de 2016



ALGUNS ELEMENTOS DE CATIMBÓ



O marco inicial do catimbó coincide exatamente com o processo de colonização, onde toma o nome de “Santidade” que pode ser explicado como uma conseqüência e um feito do processo de evangelização dos jesuítas. Esse culto processava-se através da adoração de um ídolo de pedra chamado MARIA, e dirigido por um “Papa” e uma “Mãe de Deus”. A iniciação, consistia de uma cópia do batismo católico bem como da estrutura de todo o seu cerimonial, constituindo assim um sincretismo bem evoluído com elementos cristãos, tais como, construção de Igrejas para adoração do ídolo, parte de rosários e de pequenas cruzes, procissões de fiéis e de elementos indígenas como: poligamia, cantos e danças, usam de tabaco “A Erva Sagrada” a maneira dos feiticeiros indígenas; tragava-se a fumaça até a produção do transe místico, que se chamava precisamente o espírito da SANTIDADE. Em nível sociológico podemos definir este culto como um fenômeno messiânico, visto que está impregnado de ressentimento, o ressentimento do escravo contra o senhor, do homem da terra contra o conquistador, e ele anuncia de maneira profética a desforra do vencido contra o europeu conquistador.

Evidentemente, a santidade, tal qual existiu, perseguida pelo tribunal de inquisição, desapareceu. Mas permaneceu a mistura do catolicismo com a cultura indígena. O elemento de transição entre a santidade e o catimbó é, sem sombra de dúvida, o culto dos caboclos, mais ou menos cristianizados. O marco inicial do catimbó é fixado quando o culto dos caboclos perde sua função enquanto comunidade tribal, já bastante impregnada de elementos católicos. O catimbó é um culto individual e não mais social onde as pessoas vão para curar seus males físicos e espirituais.

A casa de culto é a própria residência do catimbozeiro. Casa simples, pequena sala em que a mesa se transforma em altar. Esse altar une praticamente a América indígena a América Católica com seus charutos, garrafas de aguardente, imagens de santos, crucifixo.

Além das cerimônias coletivas existem as individuais que servem para atender um doente, que não pode esperar, ou para um indivíduo que deseje “fechar o corpo” contra balas da política ou contra a infelicidade, ou para aqueles que querem apelar aos espíritos malignos da magia negra contra algum inimigo. Isto significa que o mais importante do culto é o pedido individual. A cerimônia pública é no fundo um rosário de “pedidos” individuais. Nada perecido conseqüentemente, com as do Candomblé Baiano ou do Recife com caráter social orgânico.

O elemento negro que servirá de mão-de-obra nessas áreas vão adaptar-se a essas práticas com certa facilidade isto pode ser explicado pela falta de elementos na região em que possa parecer com as áreas africanas onde seus deuses eram elementos criadores.

Por outro lado, numa terra dura, inóspita desolada pela seca, com a fome e alta mortalidade, tanto o negro como o índio deviam pensar primeiro em viver. O catimbó é uma religião que corresponde à ausência de organização social, a uma população de indivíduos ou de famílias isoladas. Os Catimbós não disputam entre si, ignoram-se, cada um continuando seus trabalhos sem se preocupar com o que se passa com o vizinho. A mobilidade religiosa é grande. O que conta são os desejos ou as necessidades individuais, é a vida cotidiana com suas doenças, seus romances de amor, seus ganhos, suas tristezas e seus sonhos de futuro melhor. Os espíritos não têm história ou se tem, muito pouca. Estão ligados a uma função, a cura da lepra ao Rei HERON; o casamento dos celibatários, à senhora Angélica, a cura de úlceras, ao maestro Mavicoré, a proteção dos marujos, às mocinhas de saia verde... mesmo esse funcionalismo não está necessariamente organizado, há espíritos curadores cujos poderes se exercem não só para um tipo exclusivo de doença.

A pobreza do elemento litúrgico corresponde é pobreza do elemento sacerdotal. Podemos distinguir:
§  O chefe da permissão – é o mais forte de todos.
§  O segundo – o chefe que preside a cerimônia, se o primeiro não estiver presente.
§  Os auxiliares ou discípulos chefes – em número reduzido, respondem ao chefe quando este está em transe, preparam a jurema.

Dentre eles são escolhidos os futuros chefes, os novos discípulos, a irmandade dos crentes e por fim o servidor que vai buscar, no sertão, as raízes da jurema, transmite mensagens, etc. Não há iniciação propriamente dita, os discípulos aprendem os cantos e os segredos de seu chefe nas horas de lazer, conversando com eles. Mas o futuro chefe se faz notar por sua capacidade de entrar em transe, por crises nervosas, que são um sinal de seu futuro poder e também por uma espécie de verruga, a “semente”.

A mitologia que sustenta a prática é igualmente pobre. Está centralizada em torno da jurema e do reino dos “Encantados”. A jurema era uma árvore outrora como as outras, mas quando a virgem, fugindo de Herodes, partiu para o Egito, escolheu o Menino Jesus num pé de jurema, a árvore, então, ganhou força divina.

O mundo dos “Encantados” está dividido em reinos, sete segundo alguns, VAJUCÁ, TIGRE, CANINDÉ, URUBÁ, JUREMAL, JOSAFÁ, e o FUNDO DO MAR; cinco segundo outros VAJUCÁ, JUREMAL, TANEMA ou Reino de IRACEMA, URUBÁ e JOSEFÁ. Esses reinos por sua vez compreendem um certo número de Estados e cada Estados e cada estado 12 comunidades. Cada comunidade tem 3 chefes. Cada chefe tem sua linha, isto é, seu cântico que percebe sua visita à terra. Os principais chefes são os índios, como Itapuã (o Deus do Sol dos antigos Tupi), Tupã (o antigo Deus do Trovão), Xaramundy, grande curandeiro, Mussurana, o príncipe de Jurema, Iracema e Turuatã.

É necessário citar as almas das pessoas mortas, em especial de antigos catimbozeiros célebres como os mestres Carlos, Roldão de Oliveira, Pequeno, Angélica, Germano (que ainda estava vivo até alguns anos atrás, mas cujo espírito podia “atuar”). A esses juntou-se ainda espíritos católicos, como o Rei Heron (provavelmente numa transformação ou adaptação de Heródes) ou Santo Antônio, do mesmo modo que misteriosas divindades das águas (as moças de roupas verdes) e, por fim, alguns espíritos de negros.

A seguir  tratamos a lenda que envolve Ignácio de Oliveira, um antigo catimbozeiro e seu filho que se destacou como um dos primeiros: Mestre Carlos.

É o rei dos mestres, onipotente e com todos os defeitos de um Deus grego. É ciumento, gosta de pinga, age com naturalidade e sempre prontamente tanto para o bem, como para o mal. Sua história e tradição conta que era um moço bebedor e jogador, para desespero de seu pai Ignácio de Oliveira. Numa de suas bebedeiras, caiu sobre um tronco de jurema e morreu três dias depois. É o mais chamado de todos os mestres. Quando ele encosta, o médium transforma sua fisionomia, fica meio vesgo, mexe-se muito e distende os lábios em forma de bico.

Mestre Carlos é bom pai
Que já nasceu sabendo;
Durante três dias ficou deitado
Sobre a raiz da Jurema
Quando se levantou
Estava pronto para trabalhar
Vencedor de todas as mesas (. . .)

Contrário do elemento do Candomblé que só pode receber basicamente o Orixá a que foi consagrado, o mestre do catimbó recebe qualquer manifestação espiritual.



Prof. José Roberto de Souza, da Universidade Santa Úrsula e da Faculdade Nuno Lisboa.