sexta-feira, 15 de julho de 2016
NA
TRILHA DA INTOLERÂNCIA
MÃE DE SANTO ACUSADA DE MATAR
OGÃ EM RITUAL DE MAGIA NEGRA É ABSOLVIDA
O CASO
A Yalorixá (Mãe de Santo), Tânia Mara Gonçalves da
Silva, foi acusada de em um ritual de magia negra com o uso de punhais, no seu
Centro Espírita na Cidade de Deus, ter matado um Ogã (cargo religioso no
candomblé), de forma vil e covarde. E que tais punhais fariam parte das
práticas do culto por ela praticado, e que com a vítima mantinha um
relacionamento amoroso.
Este caso foi amplamente divulgado pela imprensa na
época, tanto pelos seus aspectos criminológicos, sociais e principalmente
religiosos. Notava-se ênfase toda especial ao culto religioso afro no Rio de
Janeiro, notadamente quanto a sua prática, que estaria relacionado a rituais
pagãos ou satanistas.
Especialistas de várias naturezas foram ouvidos,
principalmente religiosos de outros credos, como por exemplo, padres, pastores,
entre outros pelo lado mais técnico. Mas em momento algum se procurou ouvir
representantes da comunidade afro-religiosa, sobre a veracidade da existência
da prática de rituais demoníacos dentro da religião. Todas as manchetes eram
acompanhadas de fotos da acusada algemada, como se culpada fosse, como se
condenada já tivesse sido.
Indiciada, a Yalorixá foi presa provisoriamente e
depois preventivamente, permanecendo vários meses encarcerada, até ser
libertada após deferido seu pedido de relaxamento da sua prisão, pois tinha
endereço certo e sabido, ocupação, e era
primária e sem antecedentes criminais.
Enquanto o processo tomava o seu curso normal, a
acusada (já tinha sido denunciada pelo Ministério Público) tentou resgatar a
sua vida anterior, no mesmo local onde por muitos anos vivia o que não foi
possível, pois passou a ser execrada (perseguida) por todo tipo de pessoas,
algumas da própria comunidade, outras ligadas a igrejas evangélicas, que
fizeram do seu caso uma bandeira de repúdio para justificar agressões não só a
sua pessoa, mas também a sua religião.
Este caso chamou muito mais atenção pelo seu enfoque
religioso do que pelo homicídio em si. Pois, quantos são assassinados em
circunstâncias até mais emblemáticas, no dia a dia policialesco da cidade e não
ganham a mesma projeção por parte da mídia?
Duas entidades espirituais de umbanda, “Pomba Gira
Maria Padilha” e "Pomba Gira Maria Navalha”, com as quais a acusada
trabalhava incorporada em sessões alternadas, foram amplamente citadas, esmiuçados
seus comportamentos e conotadas como representantes de uma “casta de demônios,
segundo uma visão mais preconceituosa dos críticos e inimigos da religião
afro-espiritualista. Que vinculam essas entidades ao demônio, ao satanás dos
católicos, por serem as mesmas conhecidas como Exus de umbanda.
Na verdade, esses Exus, na sua forma feminina são
conhecidos como Pombas-Gira, e são procurados para a realização dos mais
variados trabalhos espirituais, para melhoria de saúde, para o amor, harmonia,
paz, emprego, desobssessão, entre outros.
Mas segundo uma visão distorcida apresentada, esses
feitiços seriam feitos com sacrifícios de animais, o que seria próprio dos
rituais satânicos, tão comuns na idade média.
Quando na realidade essas entidades davam consultas
e passes mediúnicos a uma platéia bastante diversa, que ia da dona de casa a
pessoas de classe média que buscavam como buscam até hoje a ajuda na resolução
dos seus problemas existenciais, e materiais.
A Pomba Gira Maria Navalha, utilizava nos seus rituais de
desenergização maléfica e “energização positiva”, das pessoas que a procuravam,
punhais ritualísticos, e a versão policial, que foi mantida até o julgamento,
foi a de que, teria sido com um daqueles punhais que a vítima fora assassinada.
De forma que a tese da acusação foi a de que a morte ocorreu em um ritual de
magia negra, tantas eram as evidências e “provas” constantes dos autos.
A acusada se viu processar com base em uma prova
colhida de forma ineficaz desde o seu nascedouro. A prova técnica procurou
estabelecer uma conexão entre os ferimentos encontrados na vítima e a espessura
e diâmetro dos punhais encontrados no terreiro, objetos estes catalogados como
“prova de acusação”.
Na realidade os punhais eram objetos sagrados e
utilizados tão somente nos rituais religiosos.
As testemunhas de acusação eram todas de caráter
(falavam sobre o comportamento da acusada e da vítima), nenhuma delas era
visual ou auditiva, ou seja, nenhuma delas tinha ouvido e visto qualquer coisa
no momento que teria sido cometido o crime, e a maioria delas, era parente da
vítima e professavam o culto evangélico e nunca referendaram o caso amoroso de
vítima com a Yalorixá. Outras testemunhas tidas como de acusação eram policiais
que participaram da investigação, cujos depoimentos não se encontravam em
sincronia com a prova colhida, tudo muito no campo da “achologia”.
Cópias dos jornais que fizeram a cobertura do fato
foram juntadas aos autos e que serviram de respaldo à acusação. Existe um
princípio constitucional, de que todos são inocentes até prova em contrário,
porém, a forma como o caso dessa Yalorixá foi conduzido desde o inicio, foi
como se a mesma já tivesse sido julgada e condenada pelo crime. O bojo do
processo eivado de conjecturas, com base em apuração deficitária, sem provas
concretas que a apontasse como a autora do crime, isto sem falar nas abordagens
depreciativas à religião afro que serviu de pano de fundo.
Como se pode ver da manchete publicada em um jornal
à época:
“Morte num ritual de magia negra”, "punhais
usados em ritual de magia negra”. “de acordo com depoimentos, a mãe-de-santo
recebia duas entidades: Maria Padilha e Maria Navalha. Ao incorporar a última
entidade, Tânia intimidava as pessoas presentes ao tocá-las ameaçadoramente com
punhais. Pelos relatos, ela chegava até a arremessá-los na direção de quem
estava na sessão”. “E foi justamente com punhais encravados no peito que a
vítima foi morta”.
É fácil observar que estas afirmações são altamente contundentes
em relação ao fato em si, o crime propriamente dito, pois este merece de qualquer
cidadão toda a repulsa natural, mas eivadas de grande dose de preconceito, no
que diz respeito ao culto afro, seus objetos sagrados, suas entidades, tidas e
respeitadas como espíritos de luz, incapazes do cometimento de qualquer ato
criminoso contra qualquer ser humano, o que não condiz com a prática religiosa
afro-brasileira.
Outra manchete que reproduzimos que ressalta bem a
agressão ao culto afro;
“Segundo uma carta anônima, Tânia
promovia sessões espíritas que ficaram marcadas por cenas de violência na Rua
Ignez. Vizinhos chegaram a comentar com parentes da vítima que a mãe-de-santo
fazia sacrifícios de animais durante os encontros religiosos”.
Sendo forçada a mudar-se da Cidade de
Deus para outro bairro, porém, por descuido do seu advogado à época, deixou de
comunicar nos autos do processo o seu novo endereço, sendo então considerada
foragida, uma vez que não fora localizada para vários atos do processo, tendo
sido decretada a sua revelia, pela MM. Juíza do 4° Tribunal do Júri da Capital.
Tendo na ocasião constituído o Dr. João Batista Martins de Souza, advogado
inscrito na OAB/RJ, Sob o nº 59.615, que também é jornalista (JP-RJ. 30.188) e
babalorixá, que assumiu o cargo de defendê-la de tão grave acusação.
Tendo apresentado a acusada perante a
magistrada instrutora do processo, ocasião em que pediu a revogação do decreto
prisional, o que foi deferido, cerca de quase um mês depois, tendo a mesma
permanecida presa todo este tempo no Presídio Talavera Bruce.
Produzida as provas de acusação e de
defesa, finalmente pronunciada para ser julgada pelo plenário do 4º Tribunal do
Júri da Capital, decisão contra a qual recorreu, e que foi mantida pelo
Tribunal de Justiça, sendo marcado o seu julgamento para o dia 08 de março de
2005, onde conforme ela mesma diz, “nasceu de novo para a vida”, sendo este o
seu terceiro nascimento, pois o primeiro é o natural, o segundo quando da sua
feitura, e o terceiro quando se viu absolver de tão cruel acusação.
Durante os debates a acusação
esmerou-se na tentativa de convencer os jurados de que a tese acusatória
(libelo) estava respaldada nas provas “tão bem colhidas e consideradas
irrefutáveis e constantes dos autos. E que os motivos para o cometimento do
crime, foram torpes e premeditados e, portanto, duplamente qualificados, tendo
pedido a condenação da acusada nas penas do artigo 121 parágrafo 2º do Código
Penal, cuja pena vai de 12 a 30 anos de reclusão.
A DEFESA TÉCNICA
A defesa na sua sustentação oral rebateu a tese acusatória,
e passo a passo, contestou a validade e legalidade de todas as tais provas
carreadas contra a acusada, a inexistência de testemunhas oculares, visuais ou
auditivas, todas eram testemunhas do “ouvir dizer”, ou que a vítima tinha um
comportamento ilibado, que era honesto e etc. a prova técnico-pericial foi
atacada de forma veemente em face da sua fragilidade falta de objetividade e
conexão falha entre os ferimentos no corpo da vítima e as características dos
mesmos (punhais).
A defesa abordou a influencia que a
mídia teve no deslinde do caso, esta influencia foi marcante, principalmente no
tocante a visão distorcida dos cultos afros, que foi diluída ao longo das
coberturas, que levou a opinião pública a julgar e condenar de antemão a
acusada por um crime não cometido por ela. Procurou também chamar a atenção dos
jurados para o fato de que não era somente a acusada que estava sendo julgada
naquele momento, mas também a religião afro, junto com suas práticas religiosas
e duas entidades de umbanda, conhecidas e respeitadas como Dona Maria Padilha e
Dona Maria Navalha, dois Exus–Eguns de luz e de grande capacidade espiritual de
transformação na vida das pessoas que as procuravam e que continuam procurando
até hoje, em qualquer terreiro de umbanda ou candomblé onde as mesmas continuam
“baixando”.
A casta de homens e mulheres negros, brancos e mestiços
que deram suas vidas, seu sangue, para a formação da sociedade brasileira,
estava sendo julgada, e todo um segmento religioso formado por homens e
mulheres que trazem no sangue a hereditariedade, do branco colonizador, do
negro escravo e do índio, e que cada uma a seu modo contribuiu para a
existência do que é hoje conhecido como o culto afro-brasileiro, junção de
crenças européias, africanas e ameríndias, que no seu bojo secular e religioso,
traz o respeito à natureza, a liberdade, a paz, o amor e a fraternidade entre os homens,
independente de cor, raça ou religião.
A SENTENÇA
Após o primeiro ciclo de debates, veio
a réplica e a tréplica, a primeira por parte do órgão acusador (Ministério
Público), que a tem a função de “custus legis”, ou seja, de fiscal da lei, que
repisou todos os seus Argumentos apresentados na primeira fase, e reiterou o
pedido de condenação da acusada. A segunda (tréplica a defesa também fortaleceu
os seus argumentos anteriores e reiterou o pedido de absolvição da acusada por
absoluta falta de provas, e por manter desde a sede inquisitorial (policial),
até aquela instância, a negação de autoria (tese defensiva).
Trabalhos encerrados, o conselho de
sentença retirou-se para a sala secreta, para a votação dos quesitos
apresentados pela acusação e defesa. Tendo decidido o referido conselho, pela
absolvição da acusada por absoluta falta de provas, por seis votos a favor e
apenas um contra. Fora feito justiça.
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ENTREVISTA
Passado o pesadelo, o que você gostaria de mudar ?
Sabendo e reconhecendo os
poderes e a sabedoria de cada um dos meus irmãos de fé, eu pediria a cada um
que evitasse fazer julgamentos e condenações precipitados, baseados apenas na
experiência humana; a quem quer que seja.
O que representou este fato na sua
vida?
Um
mergulho no fundo de um poço onde encontrei a mola que me jogou para cima. E
saí limpa equilibrada e mais forte
Você saiu fortalecida dessa
batalha?
Com
certeza. Eu hoje tenho a absoluta certeza que tudo o que me aconteceu foi
arquitetado pelos meus orixás, o fato, as consequências, as noites mal dormidas
na prisão, o surgimento do Dr. João Batista de Ayrá na minha vida, me dando
novo fôlego, renovando as minhas esperanças de que no final daquela caminhada,
me era reservada uma surpresa agradável. E assim aconteceu. Tenho certeza
também que o meu caso, serviu e servirá de exemplo válido a toda religião afro,
que ficará ainda mais alerta contra os nossos inimigos.
A sua fé nos seus orixás continua
a mesma?
A
minha fé além de permanecer inabalável, amadureceu dentro de uma compreensão
espiritual maior.
Em algum momento você se sentiu
sozinha e abandonada?
A
minha fé e esperança sempre permaneceram ao meu lado, e me fizeram enxergar um
lado da vida desconhecido para mim; onde os seres humanos vivendo em condições
subumanas revelaram para mim o melhor de si, pois me receberam com carinho e
demonstraram sempre solidariedade e companheirismo.
Você acreditava na sua absolvição?
Eu acreditava e acredito que nunca fui abandonada e
jamais serei por deus, pelos meus orixás e exus. E que sempre serei resgatada
em qualquer circunstância injusta da vida.
Você considera este fato como uma
provação?
Eu
considero este fato como a forma que a cúpula divina planejou para que eu
crescesse e aperfeiçoasse, harmonizando a razão sentimento e a espiritualidade.
Você hoje é feliz?
Eu
sou feliz, sobretudo por possuir as maiores dádivas que um ser humano possa
ter; saúde, paz, liberdade, gratidão e fé, emolduradas em luz, através da
confiança divina.
Depois de toda
essa experiência, como você está vendo a religião nos dias atuais?
Vejo-a mais fortalecida, mais politizada, vejo os
seguidores, adeptos, zeladores e zeladoras mais conscientes das suas
responsabilidades, junto à sociedade organizada. Vejo hoje os adeptos do
candomblé e da umbanda mais firmes nas cobranças pelo respeito a sua liberdade
de culto. O que não acontecia no passado. Estamos cada dia mais fortes.
Que conselhos você daria aos mais novos e mais
velhos da religião, que não passaram por esta via-crucis?
Do
fundo do meu coração desejo a todos que o amor, a fé e a esperança possam estar dentro de cada um
guiando a sua trajetória terrena e intuindo-os sempre. Que a justiça divina nos
seja sempre favorável e nos conceda o ganho de causa e possa nos absolver e
livra-nos de todos os tipos de injustiça, axé!
Você já retomou a sua vida
espiritual normal?
Sim.
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Postada por João Batista de Ayrá/advogado/jornalista/babalorixá.
e Yalorixá Roze de Oxum Opará e Ogum Xoroquê.
Contatos para trabalhos espirituais e palestras: (21) 99136-4780 e (21) 2671-1988. E-Mail: drjbayra@hotmail.com
Líderes
espirituais da Irmandade Espiritualista do Tambor de Mina Gêge Nagô do
Maranhão (IETAMGENA)- sediada em Duque de Caxias, RJ.