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8maio2012
CÓDIGO PENAL
Estado não pode tolerar intromissão da religião
A atualização do Código Penal vem em boa hora, pois, como salientou o ministro Gilson Dipp, se faz necessário atualizar a lei penal à realidade do país, deixando-o inclusive preparado para as necessidades das futuras gerações.
As alterações que versam sobre o aborto e a eutanásia já deveriam ter sido efetuadas há muito tempo. Acredito que tais alterações são muito boas, todavia, não preparam o Código Penal para as necessidades das gerações futuras. Todos os países do “primeiro mundo” estão legalizando o irrestrito aborto e a eutanásia. Não me parece adequado deixar esta alteração para o futuro. Entendo que este assunto é polemico, principalmente por culpa da igreja.
Está na hora do Brasil parar de ouvir a igreja e os líderes religiosos sobre estes assuntos. O Estado é laico e, portanto, a opinião dos religiosos, baseadas única e exclusivamente em seus livros e doutrinas religiosas, não podem intervir em matéria estatal. Se a religião proíbe tais práticas, os religiosos que sigam os mandamentos de sua religião e, caso optem por uma atitude não permitida pelos parâmetros de sua crença, que acerte as contas com seu deus.
O Estado não pode mais tolerar intromissão da religião nos assuntos da administração pública. Se dependesse da religião, o HIV estaria se espalhando com muito mais velocidade (proíbe o uso de preservativos), mulheres continuariam a sofrer por serem obrigadas a levar adiante a gravidez indesejada, que coloca sua vida em risco ou que dela não resultará vida, seja ela religiosa ou legal. Tudo isso sem falar nos imensuráveis gastos públicos com saúde, educação, moradia que seriam poupados pelo Estado com a legalização do aborto e da eutanásia.
Com relação ao terrorismo, discordo do ilustre ministro. A lei de terrorismo não pode pré-excluir os atos praticados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e entidades de movimentos sociais. Todos sabemos, até por ser público e notório, que os diversos movimentos sociais agem como se fossem terroristas, invadem propriedades armados e com violência, gerando pânico a toda uma população, são os mesmos movimentos que se acham no direito de invadir prédios públicos e até mesmo o Congresso Nacional. Não podemos nos iludir, movimento social que não esteja agindo dentro da lei e da ordem, livre do emprego de qualquer ato de violência e ameaça, deve ser tratado como organização terrorista.
Com relação ao endurecimento da lei e aumento de penas, nada mais ineficaz do que isso. Estudos internacionais comprovam que o endurecimento da lei e o aumento das penas não impedem o aumento da criminalidade. Os estados americanos que têm pena de morte, por exemplo, não sofreram diminuição nas ocorrências de crimes graves.
Em nada adianta repetir os erros que o legislador comete desde os tempos do império no Brasil. Sem o investimento em educação, saúde, saneamento básico, moradia e infraestrutura, a violência continuará crescendo, não importa a lei penal e a pena a ser cumprida. É necessário fazer com que a população cresça com base e segurança, gerando cidadãos de primeira classe e não de terceira, quarta e quinta classes, como ao logos dos últimos 200 anos.
Em nada adianta também prender o infrator e abandoná-los dentro de nossos fétidos presídios espalhados por todo Brasil. Nosso sistema carcerário esta falido há mais de 30 anos, os detentos são tratados como lixo, sem dignidade. Qualquer entidade de direitos humanos que visitar os presídios brasileiros recomendará que todos, sem exceção, sejam fechados.
Os presos são amontoados uns sobre os outros, não têm saúde, higiene, banho quente, camas adequadas. O Brasil não tem locais que possibilitam a reintegração do infrator na sociedade. Muito pelo contrário, o Brasil possui uma fábrica de criminosos, onde o infrator entra como batedor de carteiras e sai homicida.
Tudo isso somente vai mudar no dia quem que o detento tiver o poder de voto, quando então nossos legisladores passarão a prestar atenção nestes cidadãos, que apenas deveriam pagar sua dívida para com a sociedade com a privação de sua liberdade, sem lhes serem subtraídas a dignidade e condição de serem humanos.
Com relação à criminalização da violação das prerrogativas dos advogados, tal inclusão já é tardia e vem em excelente momento. Lamentavelmente, inúmeros magistrados, sejam eles de primeiro grau, desembargadores ou ministros, bem como autoridade policiais e até mesmo parlamentares, se acham no direito de violar a prerrogativa dos advogados, não os recebendo em seus gabinetes, recusando-se em despachar, vedando acesso aos autos processuais e recusando-se em receber petições. Somente com a tipificação penal, transformando em crime toda e qualquer violação das prerrogativas dos advogados, será possível por fim a tais práticas.
Ressalto que a prerrogativa dos advogados não se trata de direitos apenas dos profissionais do direito, mas sim de toda a população brasileira que, constantemente, tem seus direitos violados autoridades que se acham acima da lei e da constituição.
Discordo que o texto sobre dirigir embriagado trará qualquer mudança na atitude do motorista irresponsável, pois a Constituição é clara que o cidadão não necessita ser meio ativo de prova, ou seja, não é obrigado a produzir prova contra si próprio. Portanto, o motorista não é obrigado a soprar o bafômetro, não é obrigado a fazer exames clínicos e laboratoriais nem exames médicos. Notadamente que em alguns casos, onde o motorista se demonstra totalmente embriagado, poderá ser punido. Nos demais, notadamente não haverá provas de embriaguez. Todavia, em algumas doenças como o diabetes, por exemplo, em caso de uma hipoglicemia aguda, o motorista terá todos os sintomas de embriaguez sem ter ingerido uma só gota de álcool.
O Estado somente será capaz de diminuir a ocorrência de embriaguez ao volante com campanhas de maciças de educação em todas as mídias, nas escolas e universidades, com a melhora do transporte público e com o aumento do efetivo da segurança pública. Sem tais investimentos, em dois ou três anos estaremos novamente discutindo alterações na lei de trânsito.
Carlo Frederico Müller é sócio do escritório Müller e Müller Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2012