O trabalho escravo e a legislação brasileira
O artigo 149 do Código Penal (que trata do crime de submeter alguém
as condições análogas a de escravo) existe desde o início do século
passado. A extensão da legislação trabalhista no meio rural tem mais de
30 anos (lei n.º 5.889 de 08/06/1973). Portanto, tanto a existência do
crime como a obrigação de garantir os direitos trabalhistas não são
coisas novas e desconhecidas. Além disso, os proprietários rurais que
costumeiramente exploram o trabalho escravo, na maioria das vezes, são
pessoas instruídas que vivem nos grandes centros urbanos do país,
possuindo excelente assessoria contábil e jurídica para suas fazendas e
empresas. Há acordos e convenções internacionais que tratam da
escravidão contemporânea. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
trata do tema nas convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957 - ambas
ratificadas pelo Brasil. A primeira (Convenção sobre Trabalho Forçado)
dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as
suas formas. Admite algumas exceções de trabalho obrigatório, tais como
o serviço militar, o trabalho penitenciário adequadamente
supervisionado e o trabalho obrigatório em situações de emergência, como
guerras, incêndios, terremotos, entre outros. A segunda (Convenção
sobre Abolição do Trabalho Forçado) trata da proibição do uso de toda
forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de
educação política; castigo por expressão de opiniões políticas ou
ideológicas; medida disciplinar no trabalho, punição por participação em
greves; como medida de discriminação. Há também a declaração de
Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de
1998.
O fim da escravidão e de práticas análogas à escravidão é um
princípio reconhecido por toda a comunidade internacional. As duas
convenções citadas são as que receberam o maior número de ratificações
por países membros dentre todas as convenções da OIT.
As diversas
modalidades de trabalho forçado no mundo têm sempre em comum duas
características: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o
trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação
de liberdade. O trabalhador fica preso a uma dívida, tem seus documentos
retidos, é levado a um local isolado geograficamente que impede o seu
retorno para casa ou não pode sair de lá, impedido por seguranças
armados. No Brasil, o termo usado para este tipo de recrutamento
coercitivo e prática trabalhista em áreas remotas é trabalho escravo;
todas as situações que abrangem este termo pertencem ao âmbito das
convenções sobre trabalho forçado da OIT. O termo trabalho escravo se
refere à condições degradantes de trabalho aliadas à impossibilidade de
saída ou escape das fazendas em razão a dividas fraudulentas ou guardas
armados.
A legislação brasileira estabelece que o empresário é o
responsável legal por todas as relações trabalhistas de seu negócio. A
Constituição Federal de 1988 condiciona a posse da propriedade rural ao
cumprimento de sua função social, sendo de responsabilidade de seu
proprietário tudo o que ocorrer nos domínios da fazenda. Tendo como base
essa premissa, o governo federal decretou em 2004 (e pela primeira vez
na história), a desapropriação de uma fazenda para fins de reforma
agrária por não cumprir sua função social-trabalhista e degradar o meio
ambiente.
A sanção penal tem sido insuficiente. Menos de 10% dos
envolvidos em trabalho escravo no sul-sudeste do Pará, entre 1996 e
2003, foram denunciados por esse crime, de acordo com a Comissão
Pastoral da Terra. A questão da competência para julgar o crime e o
tamanho atual da pena mínima prevista no artigo 149 do Código Penal
(dois anos) têm inibido qualquer ação penal efetiva, como pode ser visto
neste estudo. Se julgado, há vários dispositivos que permitem abrandar a
eventual execução da pena. Ela pode ser convertida em distribuição de
cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo.
Há
medidas que vêm sendo tomadas na tentativa de atingir economicamente
quem se vale desse tipo de mão-de obra - como as ações movidas pelo
Ministério Público do Trabalho. Ações Civis por danos morais tem sido
aceitas por juizes do Trabalho com valores cada vez mais elevados.
[1]
o primeiro condenado criminalmente por trabalho escravo, antônio
barbosa de melo, da fazenda alvorada, em água azul do norte, sul do
pará, teve sua pena convertida em pagamento de 30 cestas básicas por
seis meses.
fonte: Reporter Brasil |