PASTORES EVANGÉLICOS QUE DEPREDARAM TERREIRO DE UMBANDA NO RIO DE JANEIRO, FORAM CONDENADOS RESPECTIVAMENTE A TRÊS E DOIS ANOS DE RECLUSÃO.
A decisão é da Juíza da 20ª Vara Criminal da Capital,RJ.
Só para lembrar, o caso à época teve grande repercussão no Estado do Rio e no Brasil, pelo inusitado do crime praticado contra um segmento religioso entre outras religiões. O preconceito religioso atingiu o seu grau maior com os atos praticados pelos hoje réus condenados. E em um país laico como o Brasil, tais crimes precisavam ser repelidos e os seus autores punidos na forma da lei, até para servir de exemplo a outros preconceituosos religiosos, que se livres para praticarem seus crimes de preconceitos poderiam levar a um movimento no Brasil tido como de "guerra santa". Muito embora, ainda continue existindo essa "guerra", mesmo que de uma forma velada. Porém, a punição a esses infratores servirá de exemplo a todos aqueles que confundem liberdade de expressão com bagunça, preconceito e desrespeito aos demais dogmas religiosos, que por nuitos deles são tidos como demoníacos. Mas vamos a sentença:
PROCESSO N° 0153479-93.2009.8.19.0001 (2009.001.153992-2)
Tipo do Movimento:
Sentença
Descrição:
VIGÉSIMA VARA CRIMINAL DA CAPITAL Processo nO 153479-93.2009.8.19.0001 S E N T E N Ç A AFONSO HENRIQUE ALVES LOBATO e TUPIRANI DA HORA LORES foram denunciados por infração à norma contida no artigo 20, paragrafo 2º, da Lei nº 7716/89, porque, unidos pelo mesmo propósito e congregados na mesma célula religiosa, a Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, estariam difundindo por meio da internet suas ideias de discriminação religiosa, ofendendo seguidores de outras manifestações de fé espiritual.
Narra a denúncia que o acusado Tupirani é pastor da referida igreja, sediada na Rua Mariano Procópio, n° 35, Santo Cristo, e manteria na internet um blog no qual prega o fim da igreja Assembleia de Deus e pratica intolerância religiosa contra judeus. Consta também da inicial acusatória que o réu Afonso é um dos frequentadores da mencionada igreja e discípulo fiel do pastor Tupirani, e teria postado, em abril de 2009, na internet, através do site youtube, um vídeo se vangloriando de ter destruído, em 02 de junho de 2008, imagens religiosas do Centro Espírita Cruz de Oxalá, defendendo a discriminação de seguidores de outras religiões, denominando-os de ´seguidores do diabo´ e ´adoradores do demônio´, e associando pejorativamente a figura de pais de santo à condição de homossexuais, com intuito de menosprezo. A denúncia veio acompanhada do inquérito policial nº 218-0042/2009 da DRCI e foi recebida no dia 19/06/09 (fls. 66). Dos autos encontram-se os seguintes documentos: registro de ocorrência às fls. 03/05; reportagens de jornal versando sobre a destruição de imagens no centro espírita às fls. 06/07, cópia de registros de ocorrência lavrados contra o réu Afonso às fls. 28/36; impressão de textos publicados no blog do acusado Tupirani às fls. 38/40; registro de ocorrência de cumprimento de mandado de prisão às fls. 82/83; termos de declaração dos réus em sede policial às fls. 195/198; laudo de exame audiográfico às fls. 287/293; FAC às fls. 434/439. Decretada a prisão preventiva dos acusados às fls. 65/67. Determinada a expedição de ofício ao site youtube para que fosse excluído o vídeo de autoria do acusado Afonso, referido na denúncia, às fls. 79/verso. Providência adotada em 07/07/09, conforme resposta de fls. 204. Citação pessoal dos réus às fls. 137/140. Concedida liminar em habeas corpus às fls. 158, revogando a prisão cautelar decretada, confirmada por decisão final, às fls. 241 e 272/279. E decisão em embargos de declaração às fls. 341/346. Defesa prévia às fls. 166/171. Decisão instaurando incidente de sanidade mental do acusado Afonso às fls. 351/352. Petição do réu às fls. 356/informando que não se submeterá ao exame. No curso da instrução criminal foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 245/250) e duas testemunhas arroladas pela Defesa (fls. 251/255). Ao final, foram interrogados os acusados (fls. 314/320). O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 441/449, onde requereu, em síntese, a condenação dos réus na forma da denúncia. A Defesa postulou em alegações finais, às fls. 451/456, a absolvição dos acusados sob o argumento de atipicidade da conduta, ausente o dolo de manifestar preconceito contra outras crenças religiosas ou incitar discriminação, se tratando de mera expressão livre de sua própria crença. Apenso 1 contendo cópias dos procedimentos 218-00422/2009 e 218-00425/2009. Apenso contendo inquérito policial nº 218-00399/2009, versando sobre procedimento instaurado no Ministério Público Federal com o objetivo de apurar a prática de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana pela Igreja Geração Jesus Cristo. Apenso contendo incidente de sanidade mental do acusado Afonso, não realizado o exame por desistência da parte. É o relatório. Passo a decidir. Tratam os presentes autos de ação penal a qual respondem os réus por crime de praticar discriminação de religião por intermédio de meio de comunicação. Preliminarmente, deve ser repelida a alegação de bis in idem trazida pela Defesa em suas alegações preliminares. O acusado Afonso respondeu perante o I Juizado Especial Criminal pela conduta de ter destruído imagens religiosas em centro espírita. No presente feito, o réu responde pela conduta de ter veiculado vídeo na internet promovendo discriminação e preconceito religioso. Ainda que tenha se referido no vídeo ao episódio anterior, da destruição de imagens, são condutas diversas, ocorridas em tempo e local diferentes e que recebem cada uma delas uma tipificação penal. Dispõe o artigo 20 da Lei nº 7716/89: ´Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de ração, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. (...) § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.´ Inicialmente, verifica-se que a denúncia se refere as condutas de postar vídeo no site youtube e publicar textos em blog da internet. O laudo de exame audiográfico de fls. 287/293 relata o conteúdo de um vídeo no qual o acusado Tupirani exibe os livros ´guia das ciências ocultas´, ´Wicca´, ´Feitiçaria Antiga´, ´Dogma e Ritual de Alta Magia´ e ´São Cipriano, o Bruxo´, afirmando que: (1) irão para o lixo e que não os rasgaria para não sujar o estúdio. (2) Aduz que seu ministério é superior às religiões pagãs onde pessoas sofrem, padecem, são estupradas, violentadas, vivem em medo, em angústia, em aflição. (3) Acrescenta que satanismo não é religião, que lugares onde as pessoas são destruídas e marionetadas a seguir caminhos de podridão, não são religião. (4) Afirma ainda que o conteúdo dos referidos livros ensina enganos, a roubar, a furtar, a dominar o sentimento dos outros. (5) Diz, por fim, se tratar de pilantragem e hipocrisia, e que é uma religião assassina como o Islamismo. Ato contínuo, relata o conteúdo de um vídeo no qual o acusado Afonso se identifica como um dos quatro jovens que entraram no centro espírita destruindo as imagens que lá se encontravam e afirma desejar dar sua versão dos fatos. Durante sua narrativa declara que: (1) A Igreja Universal não é uma igreja e sim um local que abriga obras do Diabo. (2) Centro espírita é local de invocação ao Diabo, onde as pessoas adoram satanás. (3) Todos os pais de santo são homossexuais. Na notícia crime que deu origem a instauração do inquérito policial nº 218-00399/2009, foi transcrito texto extraídos do blog www.ogritodameianoite.spaces.live.com, no qual o acusado Tupirani se refere à outra religião como ´prostituta espiritual´ e à Igreja Católica como ´prostituta católica´ (fls. 05 do IP em apenso). O mesmo texto consta da impressão acostada às fls. 38 dos autos e extraído do site http://geraçãojesuscristo.spaces.live.com/blog, sob o título ´UNIVERSAL E GRAÇA (LIDERANÇAS ASSASSINAS)´. No mesmo site da Igreja Geração Jesus Cristo, o acusado Tupirani se apresenta em texto intitulado ´A Trajetória de um Restaurador - Um Homem Comum Com objetivos Incomuns´, no qual narra que ´quando da gravidez da minha mãe, e após estar marcado o dia do parto, no terreiro de macumba foi dada pelo demônio uma fita vermelha, isto com o objetivo de que, na hora do parto, esta fosse amarrada na barriga de minha mãe. Não sei se a intenção de Satanás era matar-me ou aliar-me, mas a questão é que a fita foi esquecida em casa, e assim eu não nasci debaixo daquela maldição e influência satânica´ (fls. 06 do IP nº 218-00399/2009 em apenso). Examinados os trechos acima destacados, conclui-se ter restado demonstrada a existência material do delito. As afirmações em análise, proferidas em vídeos veiculadosou escritas em textos publicados na internet, determinam que outras crenças diversas da Igreja Geração Jesus Cristo não podem ser consideradas religião. Neste sentido é clara a discriminação. E o preconceito se faz presente na alegação de que seus seguidores ´sofrem´ e ´padecem´, inclusive ´estuprados´ e ´violentados´, sendo ´destruídos´ e ´marionetados a seguir caminhos de podridão´, bem como alguns livros ensinariam a ´roubar´ e a ´furtar´. Nota-se que não se trata de liberdade de expressão ou de livre manifestação religiosa, eis que não se restringem seus autores a propagar sua crença, mas sim atacam as demais (Católica, Protestante, Espírita, Islâmica, Wicca), exorbitando o direito de crítica, por exemplo, em referências como ´religião assassina´, ´líderes assassinos´, ´prostituta católica´, ´prostituta espiritual´ e ´pilantragem´. Vinculam de forma pejorativa tais religiões à adoração ao Diabo, Demônio ou Satanás, uma vez que o termo satanismo foi utilizado pelas religiões abraâmicas para designar práticas religiosas que consideravam estar em oposição direta do Deus de Abraão. No tocante a autoria, a imputação contida na denúncia está inteiramente comprovada. A testemunha Carlos Alberto Ivanir dos Santos esclarece que, após ter tomado conhecimento dos fatos ocorridos no Templo Cruz de Oxalá, com a destruição de imagens, chegou a suas mãos, em uma reunião da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, um CD contendo as imagens veiculadas pelo acusado Afonso no site Youtube. Aduz que entregou o CD ao Delegado de Polícia Henrique Pessoa, membro da Comissão (fls. 248/250). A testemunha Helen Sardenberg, Delegada de Polícia, informa ter recebido o CD em questão das mão de Henrique, constatando ter conteúdo de intolerância religiosa. Acrescenta que em uma ronda virtual, localizaram o blog do réu Tupirani, cujo conteúdo também reflete intolerância religiosa (fls. 245/247). Ao ser interrogado, o acusado Afonso Henrique Alves Lobato confirma ser de sua autoria o vídeo objeto do laudo de exame audiográfico de fls. 287/293 e declara que ´que sua religião prega que o interrogando, como discípulo de Jesus Cristo, deve acusar todos os outros conceitos em geral que são contrários ao Evangelho de Jesus Cristo (...) que volta a afirmar que não existe pai de Santo heterossexual, pois todos são homossexuais; que homossexualismo é possessão demoníaca; que uma pessoas que está possuída pelo demônio não merece confiança; que o interrogando discrimina todas as religiões´ (fls. 314/317). O acusado Tupirani da Hora Lores também confirma a autoria do vídeo a ele atribuído no laudo de fls. 287/293, bem como dos textos publicados em seu blog, confirmando as expressões ofensivas ali empregadas, sem êxito no esforço de justificar sua conduta (fls. 318/319). Note-se que, como Pastor da Igreja Geração Jesus Cristo é inegável a influência que exerce sobre seus fiéis, o que aumenta sua responsabilidade sobre a forma como se manifesta, as palavras e expressões empregadas e a orientação que lhes dirige. Por fim, observa-se que ambas as condutas foram praticadas através da internet, seja através do site Youtube, seja através do site da Igreja Geração Jesus Cristo e seu blog, incidindo a figura qualificada do § 2º, do artigo 20, da Lei nº 7716/89.
DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na exordial, para condenar os réus Afonso Henrique Alves Lobato e Tupirani da Hora Lores nas penas do artigo 20, §2º, da Lei nº 7716/89. Passo agora a fixar a pena. Em relação ao réu Afonso, atenda as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, não se encontrando presente qualquer circunstância judicial que justifique um aumento, fixo a pena-base no seu patamar mínimo, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, a qual será definitiva na ausência de outros moduladores. O valor do dia-multa é fixado no mínimo. Quanto ao réu Tupirani, atenta as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, considerando o fato do acusado ser o Pastor da Igreja Geração Jesus Cristo, o que agrava sua responsabilidade em relação a forma como se expressa, bem como a maior repercussão e influência de suas palavras e idéias, tornando sua conduta ainda mais nociva, e tendo em vista ainda o fato de tê-la reiterado por meio de mais de uma publicação de texto/vídeo, fixo a pena-base acima do patamar mínimo, ou seja, em 03 (três) anos de reclusão e 36 (trinta e seis) dias-multa, a qual será definitiva na ausência de outros moduladores. O valor do dia-multa é fixadono mínimo.No que se refere a pena de multa, adoto o critério do Desembargador Bias Gonçalves, noticiado pelo Mestre Weber Martins Batista, onde é comparado o limite máximo da pena de multa (trezentos e sessenta dias-multa), com os meses correspondentes a 30 (trinta) anos, pena privativa de liberdade máxima. Assim, neste critério, impõe-se ao condenado o número de dias-multa correspondente aos meses de prisão. O regime inicial para cumprimento de pena será o aberto, na forma do artigo 33, § 2º, ´c´, do Código Penal. Substituo as penas privativas de liberdade acima fixadas para ambos os acusados por duas penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal, consistentes para o réu Afonso em (1) prestação de serviço à comunidade e (2) limitação de fim de semana, na forma dos artigos 46 e 48 do Código Penal; e para o réu Tupirani em (1) prestação de serviço à comunidade e (2) prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, em favor de entidade beneficente a ser indicada pelo Juízo da execução, na forma dos artigos 46 e 45, § 1º, do Código Penal. O valor da prestação pecuniária foi fixado observando as circunstâncias judiciais acima expostas, bem como a declaração do acusado às fls. 292: ´eu tenho recurso, tenho dinheiro para fazer isso e faço com o dinheiro do meu bolso´. Os réus poderão recorrer em liberdade. Outrossim, condeno os réus ao pagamento das custas e taxa judiciárias. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome dos réus no rol de culpados. Anote-se e comunique-se. P . R . I . , dando-se ciência ao Ministério Público. Rio de Janeiro, 20 de junho de 2012 ANA LUIZA COIMBRA MAYON NOGUEIRA JUÍZA DE DIREITO
FONTE: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO JANEIRO
Obs: AINDA CABE RECURSO
João Batista de Ayrá/advogado/jornalista/babalorixá