segunda-feira, 5 de abril de 2010

Fissura religiosa no Candomblé – carta de um Ogã



segunda-feira, 5 de abril de 2010
Fissura religiosa no Candomblé – carta de um Ogã


É inegavelmente – e fundamental que seja afirmado – que o Candomblé atravessa hoje o período de maior fissura da história. A tal ponto que podemos e devemos afirmar que mais do que nunca hoje o Candomblé se tornou instrumento de negócio e legimitação de uma vaidade ignorante. Essa fissura não tem uma datação ou uma cronologia definida, não se pode (mas poder-se-á qualquer dia) falar num Cisma Religioso. Essa fissura é notória na própria prática da religião, na ritualística e claro na ética dos que se afirmam sacerdotes.

É inegável que tanto no Brasil quanto em Portugal (e este último interessa-nos particularmente) o Candomblé está minado por pais e mães-de-santo que nunca viram um roncó ou camarinha, que colocam CDs a tocar ao invés de terem ogãs, que se fizeram sacerdotes por si mesmos, que maquilham as iniciadas (iyawôs), que trocam o Orisa (Orixá) dos consulentes, que distribuem cargos e atribuem competências a namorados e filhos de carteira recheada, minado de pessoas que não respeitam as regras rituais e que querem à força e num curto período de tempo assumirem o cargo sacerdotal. Neste Candomblé tudo é comprado, os adornos tradicionais foram substituídos por novas tendências pirosas e folclóricas, há qualidades novas de Orixá (Exú Camarão é um bom exemplo) como se a tradição fosse inventada ao estilo Barbie. Há incorporações fingidas, pais-de-santo que roubam jóias e ouro e mudam de cidade batendo com a mão no peito, há enfim uma panóplia de vigarices que criam uma fissura desta modernidade vagabunda e abandalhada face ao tradicional decente e respeitoso.

Cartomantes, massagistas, todas substituíram o termo “espírita” ou “médium” por Mãe-de-Santo. É moda, o português é otário e gosta de ser enganado – ninguém quer ouvir que não nasceu para ser sacerdote ou sacerdotisa, querem sim ouvir que têm capacidades e assim se sentirem especiais. Há ainda aqueles que eram Ogãs no Brasil e chegam a Portugal dizendo que são Pais-de-santo, governando a vida sem trabalhar muito.

Este Candomblé está muito longe de ser respeitoso. A recuperação e preservação do tradicional importa pouco. É feito de banalidades, fingimentos, mentiras, palhaçada pseudo-ritual. Quem consegue colocar um travão a isto?

Alagbê t’ Oxum

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