terça-feira, 11 de outubro de 2011

*Machado de Assis foi um grande escritor. Não foi um grande homem.



25/09/2011 15:56

por Arísia Barros

Não é fácil ser negro nas terras de Cabral por conta da institucionalizada e vitalícia teoria do embranquecimento social e do conseqüente apartheid que deriva disso. O embranquecimento do Monteiro Lobato e a sua “fuga” das raízes se constituiu em estudo da cientista social Simone da Conceição Silva, em sua monografia de final de curso ( 2001),apresentada no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF), e com o sugestivo título de “O preto-e-branco do escritor brasileiro. Machado de Assis, no plural ou no singular?’
Abaixo uma pequena amostragem desse estudo afro-literário
.

Machado de Assis, mulato que nasceu livre, se educou pelos próprios esforços, numa sociedade abalada repetidamente por crises sociais – da metade do século XIX em diante. Era uma época em que um dos maiores movimentos sociais – envolvendo mulatos livres e intelectuais liberais – era a libertação dos escravos.
Como ele se livrou desse debate ?
Sua vida política é tida como passiva. Ele fora repetidamente acusado de omisso e um dos seus críticos mais freqüentes era o jornalista mulato José do Patrocínio, um dos gigantes causa abolicionista. Patrocínio achava que o escritor deu as costas para as lutas sociais e fez vistas grossas ao movimento abolicionista.
Seus biógrafos mais famosos – Eloi Pontes, Peregrino Jr e Lúcia Miguel Pereira – concordam que Machado procurou outro caminho, mantendo relações com gente poderosa.
Sua rede de amizades era composta por livreiros, políticos, escritores e servidores públicos importantes da época. Sua timidez e introspectividade foram apontadas, segundo Simone, de serem resultantes da dor oculta por ser mulato estigmatizado pela gagueira e epilepsia, numa sociedade que fez de tudo para não aderir ao trabalho livre.
Os biógrafos o acusam ainda de ter abandonado a madrasta negra Maria Inês, que se encontrava viúva, depois que se tornou escritor conhecido. Machado tinha trauma do passado pobre, e por isto, tendia a se afastar de tudo que remetia a ele.
Ou como escreveu o crítico Álvaro Moreyra, em “A Notícia", 29-8-1939: " O descendente de africanos não quis receber o legado de sua miséria. Disparou da origem. Substituiu a condição humana pela condição literária. Foi um grande escritor. Não foi um grande homem. O povo nunca o compreenderá".
Segundo ainda a “A Gazeta de Notícias”, 29-9-1908, citada por Simone, Machado sempre se pautou por um relação com os outros de “ não contrariar ninguém". Nunca dava opiniões polêmicas sobre política e literatura e nunca destratava os escritores jovens quando abordado pelos fãs na livraria Garnier.
Seus personagens de impacto poucas vezes foram pobres ou os miseráveis que ele viu no morro do Livramento. Ao contrário. Eles eram burgueses com altas crises existenciais, como Bentinho, de " Dom Casmurro".
As mulheres machadianas não eram as resistentes quilombolas dos morros da Saúde, mas mulheres elegantes, dominadoras, sensuais, mais encontráveis na badalada Rua do Ouvidor. Mesmo assim, Machado produziu uma literatura de alto nível, universalista, que até hoje encanta o mundo, e é o autor brasileiro mais estudado no Brasil e no exterior.


*Opinião do crítico Álvaro Moreyra, em “A Notícia", 29-8-1939