segunda-feira, 10 de maio de 2010

Procuradoria do Rio fica a favor da religião e contra a vida


segunda-feira, 10 de maio de 2010
Procuradoria do Rio fica a favor da religião e contra a vida

A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro considerou legítimo o direito dos fiéis da igreja de Testemunhas de Jeová de recusar transfusão de sangue, mesmo que, com isso, o doente corra risco de morte.

Lucia Leal Guimarães Tavares, a procuradora-geral, emitiu parecer nesse sentido a propósito de uma consulta do Hospital Universitário Pedro Ernesto, que tem enfrentado com frequência a recusa de Testemunhas de Jeová em relação ao tratamento.

O governador Sérgio Cabral ainda não se manifestou sobre o parecer, mas a Folha apurou que ele vai editar um decreto estabelecendo o procedimento como norma nos hospitais.

A decisão de Cabral, caso confirmada, entrará em choque com o código de ética do CFM (Conselho Federal de Medicina) segundo o qual nenhum credo pode interferir na missão do médico de salvar a vida do paciente.

"O limite da autonomia do paciente e mesmo da legislação passa a ser o risco de morte de alguém que depende de assistência e precisa de cuidados", disse o presidente do conselho, Roberto Luiz D'Ávila.

Para os médicos, a situação ficará complicada: se seguir o código de ética, descumprirá a lei estadual, e vice-versa.

A procuradora Lúcia reconheceu que não foi fácil emitir o parecer por causa da complexidade do tema.

Para tomar a decisão, ela pediu ao constitucionalista Luís Roberto Barroso um estudo, cuja conclusão foi de que a liberdade religiosa é “um direito fundamental, emanado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito de fazer suas escolhas existenciais".

Ocorre que, por essa conclusão, o suicídio, por exemplo, teria amparo legal, porque também decorre de uma “escolha existencial”.

O direito da liberdade religiosa consta na Constituição, mas o direito à vida também.

Ao final do ano passado, a juíza Luciana Rizzon, de Caxias do Sul (RS), entre esses dois direitos, não titubeou: concedeu a um hospital da cidade autorização para submeter uma paciente de 20 anos à transfusão de sangue. A jovem foi salva -- para o desgosto de sua família.

Antes, o desembargador Fagundes de Deus tinha autorizado o Hospital das Clínicas de Goiás a fazer uma transfusão em paciente em estado grave.

Seu argumento foi: “O direito à vida, porquanto o direito de nascer, crescer e prolongar a sua existência advém do próprio direito natural, inerente aos seres humanos, sendo este, sem sombra de dúvida, primário e antecedente a todos os demais direitos”.

Como nem todos os magistrados pensam como a juíza e o desembargador, a questão, no país, só se resolverá com a manifestação do STF (Supremo Tribunal Federal). Que ocorrerá não se sabe ainda quanto.
fonte: a Folha