segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Presídio: o moderno apartheid




O italiano Dante Alighieri, na sua obra “A Divina Comédia”, ao descrever o caminho de sua alma a peregrinar entre o inferno, o purgatório e o paraíso, nos conta que na porta dos subterrâneos que integram o reino de Lúcifer estava escrito: “Vós que aqui entrais, perdei vossas esperanças”.

Da ficção à realidade, com certeza, uma placa com o mesmo enunciado caberia direitinho se fosse pendurada às portas dos presídios, pois, a palavra inferno acha uma perfeita tradução nesses locais onde, por força da superlotação e da omissão do Estado, não raro, falta assistência jurídica, psicológica, odontológica e médica suficiente e reina um universo paralelo dotado de seus próprios códigos e valores morais.

Ao se adentrar a um presídio, a sensação que se tem , normalmente, é a de um caldeirão em constante ebulição sempre pronto para explodir a qualquer momento. Não é sem sentido que Nelson Mandela, histórico líder da luta libertária contra o apartheid, na Africa do Sul, costumava dizer que: “Ninguém conhece verdadeiramente uma Nação até que tenha estado dentro de suas prisões”.

Com o significado das penas e tratamentos cruéis e desumanos alterado, desde o momento da instauração e consolidação da pena privativa de liberdade como a forma punitiva basilar dos sistemas jurídicos modernos, indiscutivelmente, a prisão se tornou a rainha das penas, mas, em termos da sua capacidade de intimidar, conter, punir e regenerar, a sua ideologia se mostra contraditória e não é difícil perceber que o preço da nossa incompetência carcerária pode ser muito maior do que imaginamos.

De boas intenções o inferno está cheio e não é necessário ser um cientista social para entender o porquê do professor, jurista e advogado criminalista Nilo Batista ter declarado que: “As ideologias de recuperação são todas utópicas porque a capacidade da prisão ressocializar é uma coisa totalmente desmentida pela pesquisa empírica, é nula. Ao contrário, o que está provado é que a prisão reproduz o crime”.

Que o diga Michel Foucault que, em sua obra “Vigiar e Punir”, já nos chamava atenção para o fato de que o sistema prisional, centrado preponderantemente na premissa da exclusão social do criminoso, visto como perigoso e insubordinado, faz com que o Estado coloque nas prisões presos, às vezes, nem tão perigosos, mas que no convívio com a massa prisional iniciam um curto e eficiente aprendizado de violência, corrupção, promiscuidade e marginalidade, o que explica o surgimento das gangs prisionais.

Um caso clássico acerca de como o sistema penitenciário favorece o crime, ao invés de ajudar a controlá-lo, é o PCC (Primeiro Comando da Capital); facção criminosa que em fevereiro de 2001, do interior do presídio considerado, à época, o maior da América Latina, comandou uma mega-rebelião que englobou outras 29 prisões simultaneamente.

É verdade que o embrião de grupos como o PCC surge nas ruas, nas favelas e periferias, porém, é nos presídios que estas facções tomam corpo e se fortalecem passando a comandar o interior destes mesmos, impondo suas próprias regras e códigos morais e estendendo o seu poder de comando ao outro lado dos muros.

Cotidianamente, a mídia se incumbe de expor as fraquezas de nosso sistema penitenciário ao noticiar as inúmeras rebeliões, massacres, apreensões de armas e drogas no interior dos presídios, nos dando a sensação de que, também no que se refere ao sistema penitenciário, o estado brasileiro, mais uma vez, falha.

Falido e caro, esse é o retrato do nosso sistema penitenciário, onde cada um dos 212 mil presos custa, em média, R$ 430 por mês, chegando a atingir em alguns estados, à exemplo da Bahia, o custo médio de R$ 1,5 mil mensal.

Sabendo-se que existe uma média de 10.200 detentos nas penitenciárias baianas, mesmo sem se falar dos cerca de cinco mil presos nas delegacias, nos espantamos ao calcular o quanto gastamos com as nossas prisões, mas este sentimento deveria mesmo é ser substituído pela indignação e revolta ao tomarmos conhecimento de que o valor da manutenção de um aluno da rede pública de ensino do nosso estado é de R$ 173,00, mas o pior de tudo é saber que não há nenhuma conexão entre o que se investe e o que se recolhe de resultados nessas áreas, como afirma o sociólogo Sérgio Adorno, do Centro de Pesquisas sobre Violência da USP. “Talvez o investimento esteja errado.”

Para concluir, invoco outra vez Nelson Mandela que, mesmo antes de assumir a presidência da África do Sul, sabia que “uma Nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim, pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”. E no Brasil, com certeza, os tratamos muito mal, seja nas escolas publicas ou nas prisões, mesmo com gastos elevados.

Se nada for feito, mantido o atual contexto da educação da maioria das crianças e adolescentes no Brasil e as condições que envolvem o sistema prisional entre nós, chega-se à conclusão de que um presídio terá de ser construído a cada mês. Assim, os impostos pagos, ao invés de custearem o ensino, a saúde, a segurança, etc., serão utilizados para manter os filhos das “classes perigosas” recolhidos, pois, a pena de prisão, presumidamente falida, mais que um castigo, constituirá uma nova forma de segregação, ou seja, um moderno apartheid.

Por Antonio Jorge Ferreira Melo– 10 de novembro de 2011
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Autor
Antonio Jorge Ferreira Melo é coronel da reserva da PM-BA, professor e pesquisador do Progesp (Programa de Estudos, Pesquisas e Formação em Políticas e Gestão de Segurança Pública) da Ufba, da Academia de Polícia Militar e da Estácio-FIB