quinta-feira, 7 de julho de 2011
A Bênção, Mãe Menininha !
*07.07.11
Por Olegário Venceslau
“A estrela mais linda, hein?
Tá no gantois.
E o sol mais brilhante, hein?
Tá no gantois.
... e a Oxum mais bonita, hein?
Tá no Gantois.”
Numa métrica incomum a de tantas outras letras de músicas de Dorival Caymi, inquestionavelmente, esta se sobressai. O velho praieiro, numa homenagem à grande yalorixá do candomblé, compõe a música que posteriormente tornaria- se numa oração.
Assim era Mãe Menininha do Gantois ( lê-se Gantoá), cantada em prova e versos, mas sobretudo amada, respeitada e reverenciada por todos que a conheciam e privavam de sua incondicional amizade.
A velha rua da Assembleia, no centro histórico de Salvador, viu nascer, aos 10 dias de fevereiro, 06 anos após a abolição da escravatura, Maria Escolastica da Conceição Nazaré. Filha de negros, teve seu contato inicial com a religião africana,aos oito meses de idade, quando sua tia e antecessora, Pulkéria da Conceição Nazaré – Iyá Kekerê, numa alusão ao cargo que ora exercia, vaticinou: “essa menina é filha de Oxum”; e a profecia se cumpriu.
Mãe Menininha assume o terreiro, em 18 de fevereiro de 1922, devido o falecimento de Maria Pulkéria; naquele instante ascendia a estrela mais linda, do alto do gantois, Ao longo de mais de seis décadas, mãe Menininha governou o Ilê Iyá Omin Axé Iyamassé, terreiro do alto do gantois, tão ligado a história do candomblé da barroquinha, tão ligado a história do candomblé da Barroquinha, fundado pelos africanos Babá Assiká, Bagnboshê Obitikô, Babá Adetá e Iyá Nassô Oká, conhecido como o terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, o primeiro da Bahia, em meados de 1830.
Em cada iniciação de um novo yawò, o carinho de uma mãe devotada aos orixás e amor pelo novo filho, que nascia de suas sagradas mãos. O seu nome rompeu as barreiras geográficas, transformando-se na mais poderosa mãe-de-santo da história do candomblé do país. Reconhecimento que levou milhares de pessoas, dentre intelectuais e anônimos à buscar seus conselhos e orientações.
Tão bem reportou-se à Mãe Menininha, o escritor e romancista muito ligado ao axé gantois – Jorge Amado: “Quando jogava os búzios sobre a toalha rendada, os orixás atendiam ao seu chamado, vinham das lonjuras para ela conversar em intimidade”. Nas obrigações de santo, em cada feitura; nos ebós arriados no pejí, nas matas, nas encruzilhadas ou mesmo no mar; nas festas de orixás – xirê, olubajé,ajodun,águas de Oxalá, pilão de Oxaguian, a sua presença refletia a mais bela demonstração de zelo e respeito pelos orixás africanos.
Mesmo sendo filha de Oxum, orixá das cachoeiras, dona no ouro e rainha de Ijexá, mãe Menininha trazia consigo a força e axé dos demais orixás. O grande rei de Oyó – Xangô, lhe conferiu um elevado senso de justiça e grandeza. O caçador e rei de Kêto – Oxossi (Odé) emprestou-lhe sua coragem e destemor. A soberana dos mares – Yemanjá, concedeu-lhe a sensibilidade de uma mãe, cujos filhos carrega junto de si. O senhor da terra, curandeiro das pestes – Obaluaiê (Omulu), ensinou-a o dom de sarar as enfermidades do corpo e alma de todos que se achegavam a ela. Seu ilê durante várias décadas, tornou-se o fanal e refúgio de andarilhos, que buscavam nos seus conselhos um lenitivo,para o cansaço e a dor.
Na plenitude de sua crença e intimidade com os orixás africanos, mãe Menininha falece aos 92 anos de vida, dedicados aos ancestrais iorubanos, em 13 de Agosto de 1986, há 25 anos. Ela possuía os maiores segredos do candomblé, cujo conhecimento transmitiu a cada filho-de-santo.
A estrela mais brilhante do alto do gantois, agora brilha na constelação dos orixás ao lado de Oxalá, Yemanjá, Exu, Xangô, Nanã, Oxumaré e todos os inkinces, voduns. Mãe Meninha, não fora simplesmente yalorixá do candomblé de nação kêto, fora também de Oyó, Jêje, Mahi, Mina, Cabinda, Angola, Ijexá, mas sobretudo a grande mãe de uma nação chamada Brasil. Mãe Menininha não morreu, se encantou.
*Olegário Venceslau, é escritor, sócio da Academia Brasileira de Poesia – Casa de Raul de Leoni /RJ e Universitário de Direito