terça-feira, 6 de julho de 2010

'Hospital é lugar da medicina, não da fé de uma religião'


'Hospital é lugar da medicina, não da fé de uma religião'
por Marcelo Idiarte, a propósito do post Hospital extingue capela e cria espaço laico; arcebispo protesta.



O Clínicas aqui de Porto Alegre só está fazendo o que outros países evoluídos já fazem há anos: acabar com o monopólio cristão e distinguir na prática aquilo que já está previsto em muitas Constituições Federais, mas que só existe em um sentido figurativo - o Estado Laico.

O argumento dos espertos é que Estado Laico não é um "Estado Ateu", mas onde está escrito que restringir o uso de símbolos religiosos em escolas, tribunais e órgãos públicos e propiciar equidade de adoração para todas as demais religiões significa transformar uma nação em ateia?


A grita é tão-somente pela perda de regalias mesmo. Pela perda do status quo de "Religião de Estado", já que os próprios católicos fazem questão de repetir que o Brasil é uma "nação católica", ou seja, os demais - evangélicos, judeus, hindus, islâmicos, muçulmanos, umbandistas, ateus etc. - simplesmente não têm vez. Estes devem se curvar incontinenti à vontade da maioria: se os cristãos comemoram alguma data simbólica - em meio a uma estória baseada apenas em simbolismos -, o resto do país tem que se ajoelhar junto, ainda que não acredite nas mesmas besteiras.

É engraçado porque a maioria dos cidadãos de bom senso é absolutamente contra monopólios - seja de grupos de comunicação, de empresas de transporte coletivo, de telefonia, de cartórios, de lojas, de mercados etc. Até algumas crianças mais espertas sabem que monopólios não costumam fazer bem a qualquer tipo de sociedade. Mas quando se trata da religião que foi imposta pela espada e pelas fogueiras muitos acham que este monopólio cristão-católico é uma coisa justa, ética, moral, adequada, pertinente, necessária...

Essa é uma distorção difícil de engolir porque é paradoxalmente conflitante com o espírito de "paz, amor e tolerância" defendido pelos cristãos de toda ordem.

Eu não quero que ninguém se torne ateu como eu. A maioria dos ateus também não quer, mas nós não aceitamos de forma alguma que se tenha que conviver à força com símbolos e ritos que para nós não têm nenhum valor, nem o mais ínfimo deste universo.

As religiões têm os seus espaços apropriados de culto e adoração, que sãos as próprias igrejas e templos construídos para isso, em ambientes rigorosamente voltados para este fim.

Lá nenhum ateu ou praticante de outras religiões vai invadir para contestar o direito de cada religião professar a sua fé.

O que não pode ocorrer é que o historicamente acontece: troca de favores entre políticos e religiosos. É o Estado ceder espaços que são destinados a outros fins - como escolas, hospitais, tribunais - para a pregação desta ou daquela religião.

Hospital é lugar da medicina, não da fé.



Óbvio que ninguém vai impedir um parente de enfermo orar pelo seu familiar segundo suas crenças, mas daí a destinar capelas ou coisas que o valham para uma religião, desrespeitando o espaço das demais, extrapola a função de um lugar destinado à prática da medicina, ao exercício da atividade de salvar vidas através do conhecimento científico.

Sinceramente eu nem entendo o que uma pessoa com tamanha fé vai fazer num hospital, porque, se é tão segura da força da sua crença, ela nem precisaria sair de casa: basta ficar orando para os deuses curarem a pessoa que está doente. Nesse caso, médico para quê?

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