domingo, 6 de junho de 2010

SER OU NÃO SER GOVERNADO


SER OU NÃO SER GOVERNADO

Todos nós questionamos a autoridade alheia sobre nós, ou seja, ninguém gosta de ser governado ou mandado, porém, essa reciprocidade nunca estendemos aqueles que estão sob o nosso comando, por quê? Simples, o desejo de comando é cultural, no nosso caso, desde o BRASIL COLÔNIA, que este estigma nos acompanha. Se trouxermos essa situação para o campo religioso, veremos o quanto essa situação é conflituosa. Em uma comunidade de terreiro, ao contrário do que se pensa, não existe (quando deveria existir) uma correlação de interesses, ou seja, todos voltados para um mesmo objetivo (coletivo), que seria o aperfeiçoamento espiritual, que é o caminho até a perfeição, não. A pretensão resistida está e sempre estará presente, dificultando com isso o comando, o governo, que todos nós tanto condenamos e repudiamos. Eu diria, que de todas as democracias, a religiosa, mormente a afro-religiosa, é a mais sujeita (por que é a mais combatida) as mais variadas formas de pretensões resistidas, exigindo dos seus governantes (dirigentes espirituais), muita experiência, tato, senso de oportunidade, de perseverança, malícia, bondade, pitadas de maldades aqui e acolá e, tudo isto junto, podemos classificar de “jogo de cintura”.
E foi nesta toada que o filósofo e pensador francês Pierre-Joseph Proudhon (1809/1865), criou a Teoria do Anarquismo , teoria esta que incutia nos jovens da sua época o sonho do fim do Estado e a propriedade, que traria a plena liberdade e responsabilidade individual, pois o fim do Estado significaria o fim da subjugação do cidadão ao mesmo, que exercia (e exerce) a função de pai, mãe, patrão ou até de religião.
Nas suas sábias palavras: “Ser governado significa ser observado, inspecionado, espionado, dirigido legislado, regulamentado, cercado, doutrinado, admoestado, controlado, avaliado, censurado, comandado (e por criaturas que para isso não tem o direito, nem a sabedoria, nem a virtude). Ser governado significa que todo movimento, operação ou transação que realizamos é anotada, registrada, catalogada em censos, taxada, selada, avaliada monetariamente, patenteada, licenciada, autorizada, recomendada ou desaconselhada, frustrada, reformada, endireitada, corrigida. Submeter-se ao governo significa consentir em ser tributado, treinado redimido, explorado, monopolizado extorquido, pressionado, mistificado, roubado, tudo isso em nome da utilidade pública e do bem comum. Então, ao primeiro sinal de resistência, à primeira palavra de protesto, somos reprimidos, multados, desprezados, humilhados, perseguidos, empurrados, espancados garroteados, aprisionados, fuzilados, metralhados, julgados, sentenciados, deportados, sacrificados, vendidos, traídos e, para completar, ridicularizados, escarnecidos, ultrajados e desonrados. Isso é o governo, essa é a sua justiça e sua moralidade!.....Oh! personalidade humana!Como pudeste te curvar à tamanha sujeição durante sessenta séculos?”
Desta forma, assim como nós repudiamos todas essas formas de governo, de mando, assim mesmo, aqueles que estão sob o nosso comando, também repudiam, as formas semelhantes como são governados. É o velho adágio, “não queira para os outros, o que não queres para ti”. Por conta disso, em uma comunidade de terreiro, que é a instituição que mais se parece com o organograma de um Estado, os seus dirigentes (governantes), devem ter o máximo de cuidado no trato para com aqueles que estão sob o seu comando, pois é justo em uma comunidade de terreiro, onde se concentram pessoas das mais variadas raças e classes sociais, pobres, ricos e remediados, brancos, negros e pardos, que por si sós, já possuem seus conflitos sociais e raciais. Devendo, pois, o dirigente, ter a sabedoria de lidar com todas estas características pessoais e sociais dos seus filhos, para evitar aquilo que lá em cima me referi como a pretensão resistida. Que significa, a intenção de qualquer um, que contrário as formas de comando que o filósofo francês (citadas acima) se refere. Insurge-se, passando a partir daí, a criar dentro da comunidade os chamados antagonismos, oriundos de discriminação social, financeira e passa a ostentar uma postura de ter uma pretensão de respeito e igualdade e que passa a ser resistida pelos próprios dirigentes espirituais.
E qual a receita para se lidar com isso, é aquela que dei lá em cima: muita experiência, tato, senso de oportunidade, de perseverança, malícia, bondade, pitadas de maldades aqui e acolá e, tudo isto junto, podemos classificar de “jogo de cintura”.
E acima de tudo a coerência, para manter coeso um grupo de pessoas de tão diversas origens sociais, sem melindrá-los ou ofendê-los, respeitando a sua individualidade com base no princípio de que todos na comunidade são iguais, independente da sua condição financeira, ou da sua raça (pobre ou rico, branco ou negro), pois a igualdade no tratamento deve ser uma constante, pois assim, se evita o fenômeno da alta rotatividade e o suicídio cultural da religião afro-brasileira) pois a insatisfação leva o afastamento dos crentes da nossa religião.

Por João Batista De Ayrá –Babalorixá/Advogado/Jornalista