quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O show da morte


Por Antonio Jorge Ferreira Melo– 27 de janeiro de 2011
Colocado em: Com a palavra...










Há uma guerra em nossa cidade. A prática da violência não é mais um fato isolado,A referência à canção de autoria de Toquinho e Vinícius de Moraes, “Cotidiano nº pois sempre “Acordo de manhã, pão com manteiga, e muito, muito sangue no jornal”…
Não é mera expressão retórica. É assim que me sinto ao ler os jornais, ver os noticiários televisivos, ouvir o rádio ou abrir a internet transmitindo, ao vivo, as cenas da violência nossa de cada dia.

Sendo o papel da mídia o de ser o espelho fiel das contradições e conflitos existentes na sociedade, é óbvio que na sua pauta apareça a questão da violência como uma das principais demandas de discussão da sociedade brasileira na atualidade. Mas, neste contexto, a mídia pode se tornar uma das mais contundentes formas de se propagar e, em até certo ponto, exaltar a violência.

Obviamente, não estou defendendo aqui qualquer tipo de censura, mas entendo que a forma e conteúdo de exposição dos vários tipos de violência pela mídia devem ser questionados, da mesma forma que a promiscuidade entre os jornalistas e as fontes policiais e judiciais envolvidas nas investigações traz à tona a necessidade de uma reflexão sobre a ética das coberturas dos crimes violentos que mobilizam a sociedade.

Nesse sentido, para Robson Sávio Reis Souza, citando Rondelli, a mídia ao se apropriar, divulgar, espetacularizar, sensacionalizar ou banalizar os atos de violência atribui-lhes um sentido que, ao circular socialmente, induz práticas referidas à violência, pois, se a violência é linguagem-forma de comunicar algo, a mídia ao reportar os atos de violência surge como ação amplificadora desta linguagem primeira, a da violência.

Comparando o tempo destinado às tragédias em relação ao tempo destinado às boas notícias é lógica a conclusão: a mídia não tem notícias boas para divulgar ou gosta de divulgar coisas ruins.

Mas esse fenômeno também tem outras explicações. Se não gostamos de sofrer, por que nos divertimos com o sofrimento alheio? A resposta não é simples, mas para Nietzsche, em sua obra “Crepúsculo dos Ídolos”: “Ver sofrer, faz bem”.

É verdade que o belo, o bom e o bem nos emocionam nas cenas e em situações em que o altruísmo se manifesta. Mas, não é menos verdade que a desgraça alheia nos atraia, aguça a nossa curiosidade e, até mesmo, nos diverte.

Sobrevivendo da notícia, a mídia transmite o que gostamos de ver? Preferimos as tragédias porque estamos sempre sedentos de violência e crueldade, para nos divertir?

Em busca de respostas a esses questionamentos, no meu íntimo, prefiro acreditar que não. É mais fácil crer que, com as doses maciças de insensibilidade que nos são aplicadas cotidianamente, a violência tenha se tornado cada vez mais banal aos nossos olhos, pois, paralelamente à sensação de estarmos sempre bem informados da realidade que nos cerca, a mídia nos possibilita sentir o grande alívio de não fazermos parte da estatística do horror.

Se para Nietzsche, no teatro da vida real, não raro, nos solidarizemos com a vítima para nos sentirmos superiores; para nos colocarmos em posição privilegiada, para mim, “ver sofrer não faz bem”… mas, nos lembra que estamos bem! Que fomos poupados. E essa é a face cruel da violência.

Fonte: www.speaklais.blogspot.com