segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Policiais se fazem de juízes em queixas de discriminação




Por várias vezes agentes se recusam a registrar B.O.s por não entenderem ofensas como racismo

22.08.11

Os agentes policiais ainda têm muita dificuldade em discernir o que é preconceito e o que é "brincadeira". Segundo uma pesquisa da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, palavras ou termos racistas utilizados pelos acusados devem ser relatados com exatidão pela vítima para caracterizar o crime de racismo e para convencer o agente policial de que realmente houve uma situação ofensiva e racista.

O sociólogo Artur Antônio dos Santos Araújo, afirma que não é estranho afirmar que designações como "cabelo ruim", "preto safado", "negro sujo", "chita" e "macaco", entre outros adjetivos e expressões correntes tais como "se negro não suja na entrada suja na saída", "lugar de negro é..." ou "só podia ser preto!" mesmo quando utilizadas em uma "aparente brincadeira" correspondem a uma visão preconceituosa, há muito tempo, incorporada à sociedade.

Entre os anos de 2000 e 2009, Araújo analisou 51 Boletins de Ocorrência (BO) registrados na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância de São Paulo (Decradi/SP), e no Departamento de Atividades Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal (Depate/DF), a fim de determinar como um agente policial classifica uma situação como crime de preconceito racial.

Esta análise serviu de base, também, para verificar quanto o uso de estereótipos e expressões idiomáticas estão relacionados às complexas relações raciais no Brasil. Dos dados extraídos dos boletins buscou-se a caracterização tanto das vítimas quanto dos autores dos conflitos, a fim de identificar a situação social, política, educacional e econômica. A intenção foi tentar entender o perfil dos envolvidos nos fatos. Ademais, o boletim de ocorrência é muitas vezes a única forma de se manifestar contra o preconceito.

Araújo observa que em delegacias não especializadas "não são poucas as vezes que um agente recusa-se a registrar o boletim de ocorrência por não entender a ofensa como discriminação racial". Ele ressalta a necessidade de implementação de políticas públicas não só de formação e capacitação continuada dos agentes de polícia nas questões de direitos humanos e combate ao racismo, mas também, que desenvolvam a consciência das relações raciais no País.

O pesquisador somou o estudo de verbetes em diferentes dicionários à análise dos dados coletados nos boletins e se colocou criticamente frente a teorias como as de Donald Pierson (1971), Octávio Ianni (1978), Florestan Fernandes (2007) e Gilberto Freyre (1936).
O sociólogo explica que "Pierson assinalava que expressões usadas perderam a função de estereótipo porque são utilizadas como brincadeiras por brancos e negros. Já Ianni entendia que o uso dessas expressões traduzem a intenção do branco em colocar o negro e o pardo no extremo mais baixo de qualquer escala de valores sociais. Florestan Fernandes acreditava que grande parte dos provérbios referentes à condição social do preto é parte do ‘padre-nosso do negro’".

A conclusão a que o pesquisador chegou foi que "a inferioridade do negro é fartamente expressa em várias situações das nossas práticas discursivas e sociais há vários séculos".
"Os atos da vida social dos negros são naturalmente expressos como deprimentes e pejorativos, cabendo a ele o mais baixo status da hierarquia social", constata o sociólogo. "Isso é reflexo da permanência de uma cultura de dominação sobre o negro e do desenvolvimento de uma falsa tese da democracia racial no Brasil."

Fonte: Geledes


comentário

É importante avaliarmos essa questão sob uma outra ótica, aquela que poucos pesquisadores ainda não se deram ao trabalho de debruçar-se sobre ela, ou seja, que a discriminação se dilui no tempo e no espaço, a ponto de não nos garantir, se algumas das autoridades policiais encarregadas de fazerem a lavratura do boletim de ocorrência de casos de discriminação religiosa ou racial, não são por si sós, preconceituosas, a tal ponto de criarem dificuldades ao denunciante.

Todas essas colocações literárias sobre o peso das palavras ofensivas normalmente dirigidas a um negro, seriam a resposta a uma posição que o próprio negro assumiu na sociedade. O que não é verdade, pois ao contrário, o negro não assumiu qualquer postura nesse sentido, mas sim, a sociedade simplesmente ao longo de décadas o colocou em uma posição de inferiodade.

A uma, que jamais gozou dos mesmos direitos dados ao branco, ou seja, das facilidades de acessos a educação, ao bom emprego, a moradia em locais dignos e menos aviltantes a dignidade humana, sendo-lhe reservado o sub-emprego, a habitação desde o fim da escravidão, nos cortiços, nas encostas dos morros, surgindo daí a tão cantada e decantada em verso e prosa, favela.

A duas, que não obstante as conquistas do negro nos dias atuais, ele ainda viverá períodos negros (ou melhor), tenebrosos, na sua luta pela igualdade racial, religiosa e até a financeira, porém essa luta, não é somente dele, mas sim de todo e qualquer cidadão brasileiro, seja ele, negro, branco, pardo, cafuso, ou mameluco, pois no geral, o estado brasileiro e a sociedade por ele criada, é preconceituosa em relação a todos indistintamente.

O que precisa esse povo é de um banho de conscientização, pois ao discriminar um irmão negro, o discriminador estará abrindo caminho para que lá adiante seja ele o discriminado, é uma faca de dois gumes. Não é impondo o temor a lei a quem discrimina, que iremos resolver o problema, devemos pois, rediscutir as modalidades de conscientização e de solidaridedade em massa, quem sabe assim, tenhamos um Brasil melhor, senão para nós, mas talvez para os nossos filhos e netos. Axé!

João Batista de Ayrá/advogado/jornalista/babalorixá