segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Igualdade e dignidadeTJ do Rio garante herança em relação homoafetiva
Igualdade e dignidade.
Tribunal de Justiça do Rio garante herança em relação homoafetiva.
Por Marina Ito.
As regras da sociedade de fato devem ser aplicadas aos sócios que se unem com objetivos comerciais. Não é o que acontece em uma relação entre pessoas, que se unem a partir de laços de amor e afeto. A conclusão é da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que fez a diferença ao reconhecer a união estável de duas mulheres e garantir a uma delas um apartamento comprado pelas duas.
O relator da apelação, desembargador Ferdinaldo Nascimento, aplicou a Lei 9.871/94, que regulamenta os direitos dos companheiros a alimentos e sucessão. De acordo com o inciso III, do artigo 2º, da lei, “na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”.
“A Lei 8.971/94 não pode fazer distinção entre companheiros heterossexuais e companheiros homossexuais, nem pode tratar a relação entre homem e mulher como sendo uma união estável e do outro lado da balança tratar as relações entre homem-homem e mulher-mulher como sendo meras sociedades de fato”, disse.
Para o desembargador, reconhecer o direito de herança da mulher falecida ao seu companheiro homem e não tratar da mesma forma a companheira de uma mulher que morreu afronta a Constituição, violando a “igualdade e a dignidade da pessoa humana”.
Ferdinaldo Nascimento afirma, ainda, que na falta de lei sobre o assunto, o Judiciário tem de decidir, aplicando “a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito”. “Em prol de parceiros homossexuais, há relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais que não podem ser simplesmente desprezadas, sob pena de o Poder Judiciário prestar um desserviço a toda a sociedade, em constante transformação”, escreveu na decisão.
O desembargador lembrou, ainda, que o Judiciário tem equiparado em outras situações as relações homoafetivas às uniões estáveis heterossexuais, reconhecendo o direito à previdência ou adoção. “Na área administrativa, os órgãos públicos brasileiros vem baixando resoluções e instruções normativas permitindo que pessoas do mesmo sexo tenham outros direitos, tais como, o visto permanente, o direito a naturalização, dentre outros. Na área previdenciária, ao seu turno, aqueles que vivem em união estável homoafetiva, passaram a ter mais direitos reconhecidos, seja no âmbito privado como público, podendo ser considerados como beneficiários de pensões por falecimento dos companheiros. Esse já é o entendimento do Instituto Nacional do Seguro Social”, acrescentou.
O desembargador mencionou, ainda, o artigo 14, inciso I, da Lei estadual 5.260, do Rio de Janeiro, que equipara a união estável homossexual a heterossexual para que o parceiro possa receber pensão por morte. Também citou projeto de lei tramitando no Congresso sobre o assunto, além de decisões do Superior Tribunal de Justiça.
No caso concreto, uma professora entrou com uma ação declaratória de reconhecimento de união homoafetiva. Ela queria que fosse reconhecido o direito a um imóvel que as duas compraram. A companheira morreu em 1995 e seus três irmãos reivindicavam quase 80% do imóvel, com base no contrato de financiamento do apartamento junto a Caixa Econômica Federal.
“Mostra-se desinfluente para o reconhecimento da co-propriedade o fato de a autora ter ingressado inicialmente com 20,62% de seus rendimentos para a comprovação da renda familiar, haja vista que essa era uma análise inicial feita pela Caixa Econômica Federal, que financiou o imóvel para as companheiras. Estas, no dia a dia, dividem despesas, tarefas e responsabilidades, que, no final das contas ficam em igualdade de condições”, entendeu a 19ª Câmara.