quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Preconceito e Religião Negra


Preconceito e Religião Negra Muitos são os aspectos que determinam a formação de preconceitos. Tanto os elementos que formam a sociedade quanto a construção do psicológico, são processos interligados, e formam um jogo de luz e sombra, que determinam o que é aceitável e o que não é. Há dois aspectos marcantes e fundamentais do preconceito à Religião Negra. De um lado, pode-se analisar o preconceito vindo da Igreja e de outro, o preconceito da ciência. Em outros tempos, a postura da Igreja para com os seguidores das Religiões Negras, era muito mais intolerante que hoje. Muitas Irmandades Católicas tiveram sua origem nos agrupamentos de escravos, mas, mesmo assim, quando os Cultos Afro-Brasileiros tiveram um destaque maior, a Igreja posicionou-se claramente contrária à sua prática. Através de um texto da Pastoral Coletiva do Episcopado Brasileiro de 1915, podia-se ler: “O espiritismo é o conjunto de todas as superstições e astúcias da incredulidade moderna, que, negando a eternidade das penas do inferno, o sacerdócio católico e os direitos da Igreja Católica, destrói todo o cristianismo”...”...os espíritas devem ser tratados como verdadeiros hereges e fautores de heresia”. Este pensamento está de acordo com o período de romanização da Igreja no Brasil, que vai de 1890 à 1960.
Surgia também, um outro problema, ainda mais sério: o transe. Este era compreendido como expressão diabólica ou considerado um fenômeno paranormal, ou mesmo uma fraude, ou até um processo patológico (doença) que conduziria o praticante à loucura. Em 1953, foi lançada, em Belém do Pará, a primeira reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com a “Campanha Nacional Contra a Heresia Espírita”, que teve por objetivo, combater as práticas espíritas, tanto Afro-Brasileiras, quanto Kardecistas, chegando ao ponto de exigir um juramento anti-espírita aos membros de associações religiosas católicas.
Conjuntamente com as ações da CNBB, a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil) posicionou-se contra estas “Heresias Espíritas”, caracterizados como fenômenos demoníacos, as práticas Espíritas e Afro-Brasileiras, principalmente pelas pregações do Reverendo Koch, que havia sido missionário na África.
Um outro pregador anti-espírita (de nome Fülling), publicou em 1957, um artigo, onde percebia nos Cultos Espíritas, uma recaída ao Paganismo (termo usado para se referir a várias religiões não-Judaico-Cristãs). Começaram aí, as campanhas das Igrejas Pentecostais em converter em massa, tanto adeptos de Cultos Afro-Brasileiros e Espíritas, quanto Católicos Romanos.
Atualmente, se pode perceber duas posturas diferentes das Igrejas. Uma é de tolerância, diálogo e resgate da origem histórica e simbólica, provenientes de correntes mais sociais da Igreja. E uma nova postura influenciada pelo Concilio Vaticano II, em que se refere à “Religião Umbandista” e não mais à “Heresia Umbandista” Por outro lado, afirma-se cada vez mais, a idéia de possessão demoníaca através de testemunhos de conversão e sessões públicas de exorcismos em Igrejas Pentecostais e Neo-Pentecostais (e ramo carismático da Igreja Católica), que se utilizam de interpretações fundamentalistas da Bíblia.
Nesse Universo Neo-Pentecostal, os Orixás do Candomblé, são percebidos como Demônios Maldosos e Destrutivos, baseados na Crença de um Deus Absoluto e Verdadeiro, que não pode aceitar a convivência com outros Deuses. Nota-se que os diversos Deuses que o Cristianismo foi atirando aos domínios do Inferno, são exatamente os representantes de potencialidades da alma humana, e de instâncias da vida, como a matéria, o feminino, a sexualidade e o mal. Nota-se também, que, mesmo sendo discriminados pela Igreja, os Kardecistas alimentam um preconceito quanto aos Cultos Afro-Brasileiros, com a argumentação de que “trabalham com espíritos menos desenvolvidos, mais primitivos e sem luz” e chamados por eles (cuja estrutura é européia), de “Baixo Espiritismo”.
Psicológica e parapsicologicamente, o enfoque das práticas Afro-Brasileiras não é menos preconceituoso, pois são vistos como ocorrências hipnóticas, em que “...uma pessoa pode mergulhar em seu subconsciente e causar movimentos automáticos dos lábios...”. Na verdade, parece que a parapsicologia, não se preocupou muito com o Candomblé e suas derivações, talvez por ser européia demais e as práticas do Candomblé “primitivas demais”, ficando muito mais à vontade com o Kardecismo, que também é europeu de origem.
Com o intuito de aprofundar essas questões, formou-se um casamento intencional entre Igreja e parapsicologia, com a criação, em 1970, do Centro Latino-Americano de Parapsicologia, tendo como fundador, o padre Oscar Quevedo, que afirmava em uma de suas obras, que “eram perfeitamente explicados os fenômenos da possessão, e nada teriam de sobrenatural”. Isso acarretou o fechamento do Centro, em 1984, por ordem da Companhia de Jesus no Brasil. A postura parapsicológica, na abordagem dos Cultos Afro-Brasileiros, limita-se à explicação e descrição dos fenômenos em si, sem contudo, buscar o significado de sua expressão cultural e psicológica.
Tem sido de grande valia, nos últimos tempos, a contribuição da antropologia e da sociologia, para a compreensão dos Cultos Afro-Brasileiros, sem distorce-los ou concebê-los preconceituosamente. Muito se tem feito para angariar aos Cultos Afro-Brasileiros, o respeito das ciências humanas, dos pesquisadores, e da comunidade em geral. Examinar os Cultos Afro-Brasileiros sob o ponto de vista psicológico, resulta num diagnóstico de neurose histérica ou de múltiplas personalidades. E assim, o significado de sua real simbologia, acaba sendo sufocado, de forma a perder de vista a alma humana.

Fonte: Nigeria masterweb
Ori Axé – J.J. Morais Zacharias