quinta-feira, 14 de abril de 2011

VUDU AFRICANO – FEITIÇARIA OU CULTURA





As poderosas emoções humanas na arte vodu

O Jornal Globo do dia 10 de abril publicou matéria sobre este tema, na qual relata uma amostra de uma exposição “Vodu”, aberta esta semana em Paris, na Fundação Cartier. Nesta estão sendo expostas estatuetas de madeira de figuras humanas amarradas, espetadas ou carregando todo tipo de badulaque, de concha, a caveiras de animais e mandíbulas humanas. DEMONIZADO NO OCIDENTE O Vodu é uma das religiões africanas mais demonizadas e incompreendidas no Ocidente. Ela surgiu no Benin, na África, e se expandiu ao longo de dois séculos até o Caribe, chegando ao Brasil através dos escravos. No imaginário popular de muitos ocidentais, vodu pé magia negra; vê-se logo um sujeito espetando uma boneca, para se vingar de alguém. Mas, para os africanos vodu é a encarnação do divino e uma forma diferente de lidar com os problemas do mundo e do cotidiano. As estatuetas são a ponte de comunicação entre os espíritos e o mundo concreto. -Para nós, o vodu não é uma prática, é uma filosofia de vida: quem somos nós? De onde viemos? –Diz Gabin Djimassé, do Benin, autor de um dos textos da exposição.

A mostra não fala sobre religião, mas sim sobre os objetos de arte que o vodu produz. Impossível, no entanto, não mergulhar no universo da religião africana. Os cem objetos forram trazidos a paris por um grande colecionador de arte primitiva. Jaques Kerchache, morto em 2001. Nos anos 1960, ele fez uma serie de expedições à África.

Quando chegou ao Benin, descobriu as esculturas vodu, tornando-se um dos seus maiores colecionadores. Segundo os organizadores da mostra, cada objeto vodu tem uma história, e é criado para um determinado fim, se você tem um problema com seu parceiro ou com seu inimigo, objeto é criado para resolvê-lo. O objeto chamado, bócio –bo (poderoso) e cio (cadáver)- pode ser usada para atacar ou para se defender de alguém. Para funcionar tem que ser acionado num ritual de sacralização, o Fa. Ele ganha “poder” divino sacrificando-se um animal ou cuspindo-se na estátua.

Os africanos guardam os objetos sob as camas ou em templos. Alguns os carregam no corpo, até que o pedido seja atendido. Estatuetas são também colocadas em portas de casas, cruzamentos de ruas ou plantações para proteger. A mostra da Fundação Cartier é uma viagem visual, sobretudo. O visitante é confrontado com cada escultura, em nenhuma explicação ao lado. A forma da mostra está aí: no mistério e exotismo que o vodu exala. Quase todas as estatuetas são corpos amarrados com cordas e espécies de pregos espetados. Numa delas os pregos estão perto das orelhas, no peito e no quadril. Ela teria sido coberta com sangue de animal sacrificado e usada para criar todo tipo de problema ao adversário, torná-lo estéril ou mudo, sufocá-lo, provocar dor de barriga. Quando os pregos são removidos, o “inimigo” se recupera e não sofre mais. Uma mandíbula amarrada no corpo significa o desejo de afastar a testemunha indesejada. Na mostra há pelo menos duas com mandíbulas humanas.

A coleção é variada. Duas estatuetas foram usadas para causar asfixia e morte. Numa delas a figura tem um metal na boca. Na outra, os olhos vendados por cordas. As cordas estão presentes em todas: elas ativam o poder. Embora estejam associadas à morte, podem também significar vida; cordas amaradas no quadril de uma grávida protegem contra aborto involuntário. Quando saiu do Benin levado por escravos, o vodu foi adaptado incorporou figuras do catolicismo, como santos.

No Benin a escultura colocada na entrada de vilarejos – Legba – normalmente é representada por um pênis em ereção. No Haiti, Legba foi transformada numa representação de São Pedro. Tanto Gabin Djimassé, do Benin, quanto ao artista haitiano Patrick Vila ire ambos envolvidos na amostra de Fundação Cartier –queixam –se de incompreensão da arte e da prática vodu no ocidente. Quando os colecionadores chegaram à África, tudo o que viam os africanos fazer –como o vodu, por exemplo- não era considerado “humano”, explica Djimassé. Daí porque a colonização era dita “civilizadora”. – Eles estimaram que precisávamos viver como eles(os brancos) – explica. Para o haitiano Vilaire, quando o Ocidente não compreende outra cultura, ele a estereotipa e a persegue. - O vodu foi associado ao mal, e perseguido pela igreja católica. MS está tão arraigado na cultura e na vida das pessoas que é impossível vencê-lo com perseguição- diz.

Comentário:

O tema é por demais atual, principalmente para nós do culto afro-brasileiro, pois a prática vodu, pouco importando a sua origem, se africana ou haitiana, posto que, cá no Brasil ela tomou contornos próprios, assim como o próprio culto as divindades de matriz africana, ou seja, uma nova roupagem foi inserida tanto num quanto noutro, por conta de costumes só existentes no Brasil, no caso, as implicações de natureza católica, ameríndia, e do culto ao chamado Exu Egum, que só existe no Brasil.

Paralelamente a essa prática vãmos encontrar fatores que levam ao populismo ou a vulgaridade de tão importante culto.
De um lado, por conta de supostos sacerdotes, ou melhor, que se dizem, “pais de santo”, que sem qualquer envergadura, no verdadeiro culto as essas energias, divulgam através da imprensa, geralmente a escrita, serem possuidores de “fórmulas mágicas”, para resolverem os problemas das pessoas que os procuram, normalmente no afã de resolveram problemas de “ A a Z(malefícios).

E com isso, imprimem no culto vodu uma característica que ele originariamente não possui, ou seja, a de acessibilidade a qualquer um, que bastando-se dizer sacerdote, poderia lançar mão dos mistérios desse culto. Quando na realidade, vodu é uma ciência, que não se aprende em escola, ou cursos de “odus ou jogo de búzios, ou de conceitos de magia africana, Não. Vodu, é laço consangüíneo, é herança, conhecimentos que são passados de pais para filhos, desde que estes, possuam o cabedal, e o arquétipo personalítico espiritualista necessário para o exercício desse mister.

Entendemos nós, que o sacerdote vodu ou o aprendiz sempre, tem que ter o “carrego certo, e certo o carrego”, sem isso, estariam fadados ao fracasso. No Brasil, não existe o culto próprio e independente do Vodu, ele se encontra agregado às práticas fetichistas das casas de santo (candomblé, umbanda e quimbanda), mais precisamente as casas de culto Kimbundo (quimbanda), ou aquelas de origem nordestina como no caso do Tambor de Mina do Maranhão, as de pajelança, e o chamado Candomblé de Caboclos, cujas práticas estão mais voltadas à natureza e seus elementos votivos.

No rito vodu, existe toda uma hierarquia para a consagração de um sacerdote neste ritual, tipos; consulta a Ifá sobre se o candidato é realmente um escolhido, os ebós de limpezas, o recolhimento, a escolha de um padrinho material (ser humano) e um espiritual, geralmente é um Ganga (ser de luz do mundo Kimbanda, que irá referendar aquela feitura) e, finalmente o ritual de consagração do aprendiz. A durabilidade desse tipo de feitura extrapola o tempo médio para uma feitura de orixá, às vezes levam-se anos, estudando e pesquisando o iniciado, e todas as suas vicissitudes espirituais.

Ao longo da reportagem observamos algumas referências sobre alguns tipos de utilidades mais comuns que possui o “fetiche vodu”, sendo mais largamente conhecido, o chamado feitiço para debelar os poderes dos inimigos, ou seja, aqueles realizados com o intuito de fazer o mal a alguém.

Quando na realidade, por conta desse estigma, é que foi conhecido o “fetiche vodu”, aqui no Brasil como uma prática maligna, sempre voltada para o mal. Por que poucos são aqueles que se dizem prestadores de serviço na área do “vodu”, que se comprometem a esclarecer que tal remédio (vodu), está voltado também para as práticas do bem, o que em África é muito mais comum e corriqueiro, pois o mais natural que a sociedade africana, busque muito mais a firmeza dos seus empreendimentos através da pratica vodu, do que utilizá-la na prática comum de refrega (contenda) com inimigos, sendo natural, na sociedade africana sob o jugo do colonialismo,se utilizasse dessa prática para abrandar as forças dos seus inimigos.

Porém, na atual sociedade africana, até por conta das dificuldades de natureza financeira, má distribuição de renda, falta de empregos e até alimentos, não se concebe hoje ao africano lançar mão dos seus poucos recursos financeiros, para adquirir geralmente produtos caros, tipo animais, alimentos perecíveis, bebidas e ou congêneres, para a realização de feitiços aos seus pretensos inimigos.

O fetiche vodu, hoje é muito mais largamente usado em África para a firmeza de casas, de instituições religiosas, de lavouras, de fazendas onde se criam animais (bois, cavalos, ovelhas), ou plantio de produtos agrícolas, onde de cada safra se retira um pouco para a oferenda, à figura vodu feita em um ojubó (assentamento), onde se encontra a imagem de Legbá (Exu) ou uma estatua vodu que pode retratar outro tipo de energia).

No Brasil, essa prática não é muito comum, pois como já se disse supra, as pessoas estão mais condicionadas a procurar a magia vodu para resolver problemas relativos á anulação de feitiços oriundos de inimigos. Esquecendo-se, pois, que o vodu, a sua magia, é muito mais largamente usado para os caminhos da prosperidade nos negócios, no desempenho sexual, na capacidade intelectiva, na manutenção das casas de negócios sempre em prosperidade, fechamento de corpo contra males diversos, inclusive contra doenças.

O problema está, no fato de poucos sacerdotes iniciados e formados neste culto, estarem preparados para a confecção das chamadas imagens de bonecos vodus, pois para quem não sabe, vodu é imagem, as formas são as mais variadas, podem ser humanas ou de animais, cada uma com um fim específico, e a sua confecção depende de um período de cura, ou seja, de permanência em local apropriado, para a chamada imantação. E que assim possa finalmente ser usado pelo contratante.

Bem, não vamos querer aqui esgotar o assunto, até por conta da sua importância e profundidade, mas vale à pena analisarmos o tema, divulgado pelo O Globo, em caráter cultural. Porém nos reservamos o direito de trocar em miúdos as suas idiossincrasias por conta do conhecimento da prática vodu, segundo o modelo brasileiro, na doutrina da Quimbanda e do Tambor de Mina Gêje Nagô. Pena que a amostra está se realizando em Paris.

João Batista de Ayrá/advogado/jornalista/babalorixá