A Igreja Católica tem pedido socorro à ciência e encaminhado muitos de seus servos para a terapia. A responsabilidade de ajudar o rebanho às vezes cobra um alto preço. Muitos trabalhadores religiosos vão além dos seus limites, na vontade de ajudar o próximo acabam sofrendo quando as pessoas enxergam, nessas figuras sacerdotais, a cura para seus males
Recentemente, o congresso ”Padre no Divã: Conforto e Desconforto no Trabalho Pastoral”, realizado no Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Salesiana, em Roma, na Itália, debateu essa questão a fundo.
“Levar a sério o sofrimento psíquico de quem trabalha na pastoral deve fazer parte de uma responsabilidade comum, que também envolve leigos”, afirma o padre italiano Giuseppe Crea.
Já existem no Brasil centros especializados nesse tipo de tratamento aos religiosos. Um deles é o Instituto Acolher, de São Paulo. Um de seus professores é o psicoterapeuta Ênio Brito Pinto, autor de “Os Padres em Psicoterapia – Esclarecendo Singularidades” (Ideias & Letras). Após cerca de 30 anos de experiência em consultório, tendo atendido mais de 100 padres, o autor descreve no livro 12 temas relativos ao tratamento dos homens de batina.
“O padre suporta o sofrimento até um limite de muita dor e só então mostra que necessita de ajuda. Ele é educado para não reconhecer limites, o que é uma das falhas da sua educação”, afirma Ênio.
O processo mais comum é semelhante à terapia de crianças e adolescentes, na qual os pais fazem parte do trabalho. No caso, o superior hierárquico também se manifesta, fornecendo e recendo informações do psicoterapeuta.
Em 2000, após presenciar um suicídio na porta de sua igreja, o padre Antônio Tourinho Neto, 48 anos, se afastou de suas funções e passou um mês na unidade de Sergipe da Fazenda da Esperança. Essa comunidade terapêutica alternativa presta assistência espiritual, mas também tem o auxílio de profissionais como psicanalistas e psicólogos. “O choque me pôs em angústia profunda, passei a questionar o porquê de Deus permitir aquilo e fiquei decepcionado com o sacerdócio”, diz Neto.
Após ser tratado com entrevistas com um psicanalista e terapia em grupo, entre outras atividades, ele diz ter se recuperado.
Cerca de 3% dos pacientes das dezenas de unidades dA Fazenda da Esperança são religiosos. Um de seus missionários, o padre tailandês Dekson Teope, 34, ficou um ano em tratamento por conta de seu alcoolismo. “Cheguei a ponto de celebrar bêbado”, lembra ele.
Hoje, livre do vício, o padre Teope, celebra missas normalmente em uma comunidade brasileira da Fazenda. “Por trabalhar muito, os sacerdotes têm suas relações interpessoais prejudicadas, ao mesmo tempo que lidam mal consigo mesmos. Muitos sucumbem ao alcoolismo ou vivem crises de mau humor”, afirma o psicoterapeuta Pinto.
Um dos outros temas recorrentes é a sexualidade, que não raro eclodem na mídia quando escândalos de pedofilia são denunciados. “Afetos reprimidos ou supostamente sublimados não são afetos integrados”, escreveu Pinto em seu livro. “Por causa disso, tendem a provocar sofrimento e crises de saúde física ou emocional, ou uma vida de aparências, com práticas sexuais escusas, culposas, dissociadas.”
Mesmo vistos como representantes de Deus na Terra para os católicos, os sacerdotes são humanos e, portanto, falíveis e imperfeitos.